NABUCO, PRA NÃO ESQUECER


Uma saudade da gota serena quis se apossar dos meus interiores terceira-idade quando li a oportuna reportagem de capa da jornalista Carol Bradley, na revista ALGOMAIS de janeiro deste ano, edição 46 anunciada na capa como ainda de 2009, um lapso mais que natural nestes princípios de ano novo, quando a revista se reestrutura para se tornar ainda mais pujante, no Nordeste inteiro.

A saudade quase incontida teve uma dupla razão de ser. A primeira delas, pelos 30 anos de trabalho por mim vivenciados na Fundação Joaquim Nabuco, então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, hoje sob a batuta presidencial do politicamente atilado Fernando Lyra. A segunda, por ver a ALGOMAIS, através da argúcia de uma jornalista talentosa, principiar o ano relembrando aos do pedaço estadual sobre a necessidade de não deixar resvalar para os baús dos esquecimentos um referencial de tamanha significação histórica para pernambucanos e pernambucanizados: o Ano Nacional Joaquim Nabuco, instituído por decreto sancionado pelo presidente Lula, reverenciando o centenário de eternização de quem, abolicionista, também pensador, escritor, político e diplomata, enalteceu pela vez primeira a contribuição da raça negra no desenvolvimento do povo brasileiro.

Como seria por demais oportuno se o empreendedor governador Eduardo Campos determinasse à CEPE uma tiragem em papel de jornal da reportagem da jornalista Carol Bradley, com a finalidade de distribuí-la aos alunos concluintes do primeiro grau de ensino das escolas públicas estaduais, fortalecendo o significado comemorativo do Ano Nacional Joaquim Nabuco. Através de algumas páginas impressas a custo reduzido, a garotada tomaria conhecimento da existência de um pernambucano arretado, considerado o cara daquela época para todos os negros libertos, que com uma coragem que arrepiava os cabelos de uma aristocracia reacionária repleta de sobrenomes até tricentenários, proclamava que “a pátria, como a mãe, quando não existe para os filhos mais infelizes, não existe para os mais dignos”.

Como seria mais que oportuna ainda uma nova edição, em também papel jornal, de O Abolicionista, de Joaquim Nabuco, com o anexo A Atualidade de Joaquim Nabuco, do historiador Leonardo Dantas Silva, um dos mais sérios pesquisadores do passado pernambucano, de muitas glórias e algumas vergonhas, uma delas a de ter integrado um Brasil que foi a última nação do mundo a proclamar a libertação dos escravos. E que ainda carrega na memória nacional a pusilanimidade de Rui Barbosa, que mandou para a fogueira todos arquivos relacionados com o tráfico negreiro.

Através de leituras mais incentivadas, pelo menos no transcorer de 2010, a juvertude pernambucana melhor assimilaria o pensar de um dos nossos mais notáveis talentos, rememorando destemido, para não dizer profético pronunciamento feito por Nabuco, em 1884, no Recife, precisamente na Praça de São José: “Não há outra solução possível para o mal crônico e profundo do povo senão uma lei agrária que estabeleça a pequena propriedade, e que vos abra um futuro a vós, vossos filhos, pela posse e pelo cultivo da terra. Essa congestão de famílias pobres, esta extensão de miséria – porque o povo de certos bairros desta capital não vive na pobreza, vive na miséria – estes abismos de sofrimento não têm outro remédio senão a organização da propriedade da pequena lavoura. É preciso que os brasileiros possam ser proprietários de terra, e que o Estado os ajude a sê-los”.

Lendo a histórica reportagem da jornalista Carol Bradley sobre Joaquim Nabuco, primeiro embaixador do Brasil nos Estados Unidos, procurei ver o filme Besouro, por ela citado, que mostra o que aconteceu na pós-abolição, quando negros teoricamente libertos continuaram sob o domínio dos senhores da terra, sem instrução e terra para trabalharem por conta própria, vivendo em quase senzalas muito distanciadas das casas-grandes que persistiam em não perceber a formação de cenários menos vexatórios.

Assisti o filme e me tornei ainda mais solidário com todos aqueles que ainda não assimilaram a recomendação de um cearense cabra-da-peste de bom chamado Dom Hélder Câmara: “o menor somente se libertará quando acreditar na união de todos os menores”.

ALGOMAIS, 11/01/2010
Fernando Antônio Gonçalves