NA DIREÇÃO DOS AMANHÃS
Para aqueles que desejam estruturar seu pensar mais ajustado aos desafios dos amanhãs que já se encontram nos nossos calcanhares, recomendaria leituras que se extraviassem das mesmices que ocupam estantes imensas das principais livrarias brasileiras. E uma delas trata de treze entrevistas concedidas por Edgar Morin a Djénane Tager em 2008, agora editadas no Brasil pela Bertrand Brasil sob título Meu Caminho.
A leitura da obra de Edgar Morin, nos anos findos do século passado, era compartilhada por um reduzido número de admiradores. Atualmente, a imagem de Morim é a de um revolucionário atemporal, na expressão do sociólogo chileno Alfredo Pena-Veja, pesquisador do Centro de Estudos Transdisciplinares da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, Paris, para quem “o mundo está em crise e a universidade em agonia”. Pena-Veja foi também organizador, juntamente com Elimar Nascimento e Márcio Antônio da Silveira da coletânea Interdisciplinaridade e Universidade no Século XXI, Editorial Abaré. Segundo ele, “o que os brasileiros apreciam em Edgar Morin é a proposta de um pensamento consistente, de uma virtude herística questionadoea, de dúvida e também de humildade: a modéstica diante da infinita complexidade do mundo real, a estupefação com relação aos acasos dos acontecimentos, a auto-reflexão inquieta face às contradições da ação, a incerteza diante da aventura humana”.
Desde 1972, Edgar Morin se dedica à estruturação de uma antropologia complexa, onde “a dialogia todo e parte, uno e múltiplo, sensível e inteligível deve ser incensamente reposta”. No meio de conflitos e complementaridades, entre aspirações à totalidade e impossibilidades de totalidade.
O Meu Caminho deve ser leitura primeira para todos aqueles interessados no pensamento de Edgar Morin. Para entender bem o que ele definiu como conhecimento complexo, aquele que procura situar seu objeto na rede à qual ele se encontra conectado.
No livro, Morin declara que a complexidade é um problema geral. E cita Pascal: “É como todas as coisas são causadoras e causadas, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas se mantêm por um laço natural e insensível que liga as mais afastadas e as mais diferentes, tenho como impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes”.
Toda leitura reflexiva e inovadora é recomendável, para retificar comportamentos e binoculizar novos horizontes. Sempre redimensionando seus níveis de cidadania, evitando sutis envenenamentos consumistas, inoportunas desatualizações culturais e desastrosos esmorecimentos espirituais, que comprometem as três pilastras do viver: a dignidade, a integridade e a auto-realização.
Lendo Edgar Morin, recordei o que disse Albert Schweitzer, ao receber o Prêmio Mundial da Paz, em Oslo, 1952: “O homem tornou-se um super-homem…Mas super-homem com poderes sobre-humanos que não atingiu o nível de razão super-humana…. Impõe-se sacudir nossa consciência ao fato de que nos tornamos tanto mais desumanos quanto mais nos convertemos em super-homens”. Palavras complementadas pela constatação feita por Erich Fromm: “Somos uma sociedade de pessoas notoriamente infelizes: solitárias, ansiosas, deprimidas, destrutivas, dependentes — pessoas que ficam alegres quando matamos o tempo que tão duramente tentamos poupar”. Dois pensares que poderão auxiliar muitos na descoberta de um novo pensar, mais humanizado, mais ecológico, mais entrosado com os amanhãs que estão à nossa porta.
Muitos, após a leitura do Meu Caminho perceberão que “atividade é uma conduta intencional socialmente reconhecida, que resulta em mudanças correspondentes, socialmente úteis”. E que ter maior poder cerebral será, sem dúvida alguma, o próximo desafio dos tempos futuros, com fronteiras compostas por diferenciadas formas de convivialidade. Sempre a usar o tempo como ferramenta, jamais como um divã, como costumava alertar o inesquecível presidente Kennedy.
Após a leitura de Meu Caminho, atenção redobrada para não cuidar das coisas certas nas horas erradas, o vice-verso também sendo bastante desagradável. Jamais duvidando que a competência é bem mais efetiva que um mero diploma.
Permanecer sempre no centro do seu ser ainda é a melhor maneira de se aprender um pouquinho mais. E de apreender derredores, fatos e cenários, eleições e derrapagens. Vacinando-se contra a confiança em demasia, a especialização individual excessiva, a rotinização do convívio, a cegueira estrutural e os reacionárismos que apenas identificam a turma dos ante-ontens.
Com Edgar Morin, no Meu Caminho, pode-se agir melhor, pois compreende-se melhor fatos e feitos. Sempre com os pés bem plantados e o coração apaixonado, posto que a lição de T.S.Eliot continua contemporârea: “Somente quem se arrisca a ir longe fica sabendo até onde pode chegar”.
(Publicada em 08.10.2010, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves