MÍNIMO DESIDIOTIZANTE


Aguardando a pizza programada pelo Supremo Tribunal Federal, já no forno para ser servida no próximo dia 18, uma ofensa descomunal para com a sociedade brasileira, tornada idiota depois de longos meses de encenações multipatéticas, abrigo-me num livro de crônicas do filósofo Olavo de Carvalho. Intitulado O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, edição Record, o livro já traz, antes do sumário, uma baita provocação do autor: “Se você não é capaz de tirar de um livro consequências válidas para sua orientação moral no mundo, você não está pronto para ler este livro”.

Nunca desiludido com os acontecidos neste país que muito amo, resolvi dar uma vista d’olhos mais aprofundada nas crônicas do filósofo de Campinas, autor de uma vastíssima obra, atualmente morador na periferia de Richmond, Virgínia, EEUU, atualmente presidindo o Inter-American Institute. E não me arrependi, sob hipótese alguma, balizando a leitura por uma definição dada pelo apresentador Felipe Moura Brasil: “Em grego, idios quer dizer ‘o mesmo’. Idiotes, de onde veio o nosso termo ‘idiota’, é o sujeito que nada enxerga além dele mesmo, que julga tudo pela sua própria pequenez”.

Enquanto eu lia o livro, fiquei a imaginar quantos idiotas eu já teria conhecido e por quantas vezes me fiz passar também por um idiota aos olhos dos mais “ispertos”, daqueles que se imaginam acima do bem e do mal, de penas multicoloridas e pés de gralha, que vivem nos charcos e atoleiros morais de uma caminhada que deveria ser cidadã por derradeiro.

Para os leitores do Jornal da Besta Fubana sempre bem antenados, explicito abaixo alguns pensares do Olavo de Carvalho que me despertaram, encarecendo um instante de reflexão sobre cada um deles, citado o título onde se encontra, para favorecer uma atração pela leitura do todo:

Pobreza – “O brasileiro de classe média e alta está virando uma gente estúpida que clama contra a miséria no meio da abundância porque cada um não quer usar seus recursos para aliviar a desgraça de quem está ao seu alcance, e todos ficam esperando a solução mágica que, num relance, mudará o quadro geral”.

Militância – “O estudo das religiões comparadas mostra a profunda unidade e coerência das grandes tradições no que diz respeito às virtudes essenciais Por isso os profetas judeus são modelos de perfeição para os cristãos, os sábios hindus para os muçulmanos, e assim por diante”.

Intelligentzia – “Se me perguntarem quais são os problemas essenciais do Brasil, responderei sem a menor dificuldade: 1. A matança de brasileiros, entre 40 a 50 mil por ano; 2. O consumo de drogas que aumenta mais do que em qualquer país vizinho, e que alguns celerados pretendem aumentar ainda mais mediante a liberação do narcotráfico; 3. A absoluta ausência de educação num país cujos estudantes tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais, concorrendo com crianças de nações bem mais pobres; 4. A falta cada vez maior de mão de obra qualificada de nível superior; 5. A dívida monstruosa acumulada por um governo criminoso que não se vexa de estrangular as gerações vindouras para conquistar votos da presente, e que ainda é festejado, por isso, como o salvador da economia nacional; 6. A completa impossibilidade da concorrência democrática num quadro onde o governo e oposição se aliaram, com o auxílio da grande mídia e a omissão cúmplice da classe rica, para censurar ou proibir qualquer discurso político que defenda os ideais e valores majoritários da população, abomináveis ao paladar da elite; 7. Debilidade alarmante da soberania nacional, já condenada à morte pela burocracia internacional em ascensão; 8. A destruição completa da alta cultura, num estado catastrófico de favelização intelectual onde a função de respiradouro para a grande circulação de ideias caberia à classe acadêmica.”

Educação – “O espírito e a razão educam os sentimentos. Os sentimentos do homem amadurecido pelo espírito e pela razão são diferentes dos do homem imaturo, porque aquele ama o que deve amar e odeia o que deve odiar, enquanto o segundo ama ou odeia às tontas, segundo as inclinações arbitrárias da sua subjetividade moldada pelas pressões e atrativos do meio local”.

Inveja – “O homem torna-se invejoso quando desiste intimamente dos bens que cobiçava, por acreditar, em segredo, que não os merece. O que lhe dói não é a falta dos bens , mas do mérito. Daí sua compulsão de depreciar esses bens, de destruí-los ou de substituí-los por simulacros miseráveis, fingindo julgá-los mais valiosos que os originais. É precisamente nas dissimulações que a inveja se revela da maneira mais clara.”

Religião – “O conceito de mito fundador vem de Scheling. Um mito fundador não é uma ideologia. Ideologia é um discurso que não compreende a realidade, mas motiva os homens a substituir uma realidade que compreenderam mal por outra da qual não vão compreender nada”.

Estudo – “Para avançar no plano espiritual, o estudante deve estar aberto à realidade do transcendente e do infinito, tendo ante essa dimensão a atitude gnosiologicamente apropriada e psicologicamente obrigatória de admiração contemplativa, temor reverencial e confiança existencial.”

Uma coleção de crônicas com gosto de quero mais, eis uma classificação meritória para o livro do Olavo de Carvalho. Que as vezes até assusta diante das realidades analisadas, embora cidadanize quando alerta para algumas ingenuidades dentro de nós ainda resistentes aos tempos dos amanhãs.

(Publicada em 16.09.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves