MINERAÇÃO PAULINA


Até meses atrás, eu não entendia bem as razões pelas quais evangelizadores de diferenciadas denominações religiosas tinham por hábito manifestar um determinado desinteresse pelos ensinamentos do apóstolo Paulo, para mim a maior figura do Cristianismo, depois do Homão. Mas uma compreensão despertadora emergiu dias passados, proporcionada pela leitura do livro Paulo – Novas Perspectivas, Loyola, do bispo anglicano N.T. Wright, diocese de Durhan, Inglaterra, também professor de Estudos do Novo Testamento. Uma leitura que esclarece um dos sintomas daquele desinteresse: o receio de não poder se aprofundar mais nos escritos de Paulo, pensador atualmente equiparável a Platão, Aristóteles e Sêneca, sendo ele o responsável maior pela fundamentação da Mensagem nos primeiros tempos. Um temor que ainda se agiganta diante das insuficiências analíticas crônicas acerca dos filósofos citados.

Creio também que uma leitura, em grupo e programada, do livro do bispo Wright, renderia bem mais, proporcionando um gradativo destemor diante dos textos de Paulo, favorecendo interpretações desbolorativas, aquelas embasadas numa consistente interdisplinaridade. O testemunho é do próprio bispo Wright: “Devo dizer que para mim não houve exercício de maior estímulo para a mente, o coração, a imaginação e o espírito do que desvendar os pensamentos de Paulo pelo próprio Paulo, movido constantemente a novos lampejos sobre os modos e desígnios de Deus com relação ao mundo e a nós, estranhas criaturas humanas”.

O bispo anglicano ressalta a necessidade urgente de uma nova geração de mestres e pregadores, capazes de, teologicamente ajustados às estruturas de um pensamento complexo, propagar uma efetiva disseminação da mensagem paulina. Para tanto, o seu livro é um excepcional passo primeiro para uma gradativa assimilação da “enxergância” do apóstolo dos gentios, um ser humano neuronialmente privilegiado com uma visão globalizante já àquela época.

O livro Paulo – Novas Perspectivas se estrutura em oito capítulos. O primeiro contém uma introdução geral. Os três seguintes tratam de importantes temas paulinos: criação e aliança, Messias e a apocalíptica, e Evangelho e o Império. Outros três oferecem uma síntese dos principais contornos teológicos do pensamento do apóstolo. E um último, reforçando alguns temas fundamentais, que fortifica estudos subsequentes, tudo devendo ser vivenciado sob três grandes prismas: o do judaísmo do Segundo Templo, amálgama vibrante de Fé, Cultura e Política; o da cultura grega; e o do contexto romano.

Como admirador de carteirinha de Paulo de Tarso e do seu jeitão “desovelhoso” de ser apaixonado pelo Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, recomendo entusiasmado o livro do bispo Wright aos meus irmãos cristãos de todos os matizes, que nunca devem se acanhar diante dos sadios procedimentos que integram coração, mente e responsabilidade social.

Estudar Paulo, segundo o bispo Wright, “é como descobrir diferentes caminhos para escalar uma montanha”. No século XXI, muitos dos caminhos percorridos um sem-número de vezes já se encontram fora do prazo de validade. Na atual pós-modernidade, onde o côncavo e o convexo se embaralham todo dia, buscando desfavorecer um saber viver com dignidade, vale a pena refletir sobre os ensinamentos paulinos, de mineração desafiadora para os que buscam conjugar Ciência e Fé com ampla contemporaneidade missionária.

Considero Paulo de Tarso, o apóstolo São Paulo, responsável direto pela expansão da Mensagem para muito além dos contornos judaicos. O trabalho do bispo Wright ajuda a complementar a síntese biográfica de Paulo localizada nos Atos dos Apóstolos. Consolidando a crença de que, sem ele, os ensinamentos do Nazareno não estariam esmiuçados como alicerces de uma inadiável preparação para o enfrentamento dos tempos históricos de um século como o atual, por demais turbulento.

(Jornal do Commercio, Recife, PE, 10.03.2010)
Fernando Antônio Gonçalves