MEMÓRIAS, VERDADES E ESPERANÇAS
Meu pai sempre dizia que Gregório Bezerra, seu sargento-instrutor no Tiro de Guerra, hoje CPOR, era um dos homens de maior caráter por ele conhecido. E meu eternizado pai era católico apostólico romano, sem nenhum traço de esquerda. Apenas um homem que dava a César o que a César pertencia. E sempre que ouvia alguém cacarejar contra Gregório, querendo enfiar dedo em fiote de onça morta, ele repetia frase de uma contraparente de João Cabral de Mello Neto: “Não liga não, filho, pois quem dá cartaz a bunda é penico”.
Com alegria recebo de amigo paulista, também admirador da bravura comportamental do valente nordestino, a nova edição de Memórias de Gregório Bezerra. Que mereceu, no cordel História de um Valente, de Ferreira Gullar, a seguinte homenagem: “Mas existe nesta terra / muito homem de valor / que é bravo sem matar gente / mas não teme matador, / que gosta de sua gente / e que luta a seu favor, / como Gregório Bezerra / feito de ferro e de flor”. E que também foi homenageado pelo governador Eduardo Campos, quando deputado federal, em 1999: “… Um homem de uma coragem pessoal que inspirou muitos e o tornou um ícone para os que hesitam e temem. Um homem de uma dedicação patriótica somente igual a todos os patriotas do passado e do presente nesta sofrida terra. Venho falar, Senhor Presidente, Senhores Deputados, de um dos poucos heróis populares da História do Brasil, ele também um excluído, que ocupou uma cadeira nesta Casa e que aqui em pouco tempo deixou gravado seu compromisso com as convicções ideológicas de que foi vítima nas prisões, nas torturas e até na cassação de seu mandato, um dos episódios sombrios da história do Parlamento brasileiro. Este homem se chamava Gregório Bezerra, deputado constituinte em 1946, líder popular, comunista, revolucionário por toda vida adulta”.
Mais de trinta anos depois da primeira edição, a editora Boitempo reedita as Memórias de Gregório Bezerra, eternizado em 1983, 21 de outubro, corpo velado na Assembleia Legislativa de Pernambuco sob forte comoção popular, com Jacyra, sua sobrinha, solidariamente presente, sempre atenta aos contornos da História Brasileira.
A reedição do livro é mais que oportuna. Para rememorar a trajetória existencial de um bravo nascido em Panelas, órfão de pais aos 7 anos de idade, deslocado para o Recife, aos 10 anos, para trabalhar como empregado doméstico de uma família de latinfundiários, analfabeto até os 22 anos, quando alista-se no exército. Alfabetiza-se, enfrenta o curso da Escola de Sargentos de Infantaria e é promovido a sargento-instrutor em 1927.
Eleito deputado federal em 1945, recebendo o maior número de votos no Recife, destaca-se no Parlamento na luta pela ampliação do Departamento Nacional da Criança e por um dispositivo de proteção a mães solteiras e crianças abandonadas. Teve seu mandato cassado em 1947, quando o PCB é colocado na ilegalidade.
A apresentação do livro é de Anita Leocádia Prestes, filha de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, comandante da Coluna que preparou a Revolução de 30, para quem “a trajetória de vida de Gregório Bezerra é exemplar e deve servir de inspiração para os jovens de hoje, para aqueles que estão empenhados na realização de transformações profundas em nosso país que abram caminho para um futuro de justiça social e liberdade para todos os brasileiros”.
A história desse bravíssimo pernambucano merece ser lida em seus mínimos detalhes, principalmente por uma geração que anda muito despolitizada, imaginando alguns que “só Jesus salva”, num individualismo cuja perduração seguramente acarretará perversas consequências comunitárias. E também pelos que ainda não perceberam, porque alienados ou oportunistas, a reflexão de Gregório Bezerra, por ocasião do sequestro do embaixador norte-americano no Rio de Janeiro, em setembro de 1969: “Não desejo, como humanista que sou, o sacrifício desnecessário de qualquer indivíduo, ainda que seja o embaixador da maior potência imperialista de toda a história. Luto, por princípio, contra sistemas de força. Não luto contra pessoas, individualmente”.
PS. Para JMCB, admiração nunca esmaecida, pedagoga de muita valentia.
(Publicada em 18.08.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves