MEDITAÇÕES PARA MALTRAPILHOS
Nos primeiros degraus de 2009, quando se comemorará o centenário de nascimento de Dom Hélder Câmara, o nunca esquecido arcebispo de Olinda e Recife, encareceria à minha gente amada, a leitura de um texto estruturado durante mais de duas décadas – entre alegrias, sofrimentos, desesperanças, fidelidades e infidelidades, desorganizações intelectuais e comportamentais – por um cristão que transita admiravelmente bem entre a academia e as favelas, povoados e cortiços do mundo inteiro.
Sem os pieguismos anestesiantes que desfidelizam juventudes, Brennan Manning é o autor do livro Meditações para Maltrapilhos, Mundo Cristão, 2008. Um caminhante que “realiza um magistral trabalho ao soprar a poeira da teologia desgastada e permitir que a graça de Deus faça o que somente ela pode fazer: maravilhar”, segundo testemunho de Max Lucado, um tampa-de-foguete pra lá de bom também.
O próprio Manning explica a razão de ser do seu trabalho: “Confiar de forma inabalável hoje num maltrapilho é algo extraordinário, porque em geral exige um grau de coragem que chega às raias do heroísmo. Quando a sombra da cruz de Cristo recai sobre as pessoas na forma de fracassos, pesares, rejeição, abandono, desemprego, solidão, depressão, a perda de um ente querido; quando ficamos surdos a tudo o mais, exceto ao bramido estridente da nossa próprIa dor; quando o mundo ao redor repentinamente se apresenta como um lugar ameaçador e hostil, bem podemos bradar de angústia: ‘Como um Deus de amor permite que isso aconteça?’. E assim é lançada a semente da desconfiança, obrigando-nos a uma situação de escolha: nos afastaremos de Deus, ou nos voltaremos em direção a ele mesmo quando a escuridão o esconde de nossa visão? Escolher a luz de Deus na noite escura do desespero é um ato heróico de coragem”.
Uma fidelidade que não deve impossibilitar a capacidade de caminhar, posto que somos sal da terra, ela tornando-se mais atabalhoada se perdermos o sabor, que pode ser interpretado tal e qual aquela letra de música que diz “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Sempre seguindo dois alertas de Dom Hélder Câmara: “A maneira de ajudar os outros é provar-lhes que eles são capazes de pensar”; “Quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo, quando pergunto pelas causas da pobreza, me chamam de comunista.”
O trabalho do Manning está dividido em 365 meditações, cada uma delas acompanhada de um versículo apropriado. Os títulos das reflexões de Manning são alertadores por excelência, não devendo satisfazer os “docinhos de Jesus”, aqueles que se imaginam já premiados com a sorte grandona, já se sentindo aboletados na mesa principal lá de cima. Exemplos: Um convite à ação; Chamado, mas não para ser capacho; Sem espaços para fingimentos; A confiança que se arrisca; Espiritualidade machista; Usando máscaras; Fé ou Fórmula?. Pequenas cipoadas, ministradas com muita fraternidade, reativando convicções, erradicando bobajadas, desmontando crenças estéreis e realçando essências estruturadoras. Sem qualquer bolor. Nem cinismo.
Através de Manning, exercitaremos as três aberturas do Ser Humano: a abertura com o mundo (trabalho, celebração e festa), a abertura com os outros (diálogo, amizade, confrontação, amor) e a abertura com Deus (fé, confiança, obediência e compromisso). Rejeitando escravidões e abominando manipulações, inclusive as religiosas, descartando todas as instrumentalizações espúrias.
Evangelizador é todo cristão que busca esclarecer os intoxicados pelas crendices e superstições, inúmeras delas alimentadas pelos próprios cristãos, que ampliam neuroses e desequilíbrios psíquicos e religiosos. Evangelizar é implementar as recomendações do Homão: curar os enfermos (reintegração à vida social), ressuscitar os mortos (devolver a alegria de viver a quem está desesperançado), purificar os leprosos (os amaldiçoados), e expulsar os demônios (a inveja, a mentira, a fofoca, o nepotismo, o moralismo, o puritanismo, a falta de coragem e a ausência de conteúdos éticos comportamentais).
As reflexões espirituais diárias de Manning orientarão, em 2009, como multiplicar nossos esforços na busca da “viabilização do impossível”, fazendo-nos situar além da “implementação do viável”. Lastimando menos, concretizando mais.
Ser cristão é antever “enxergâncias solucionatórias”, efetivando a missão mais importante da Igreja, segundo Leonardo Boff: a de ressuscitar a esperança, “missão que vai muito além dos dogmas e das doutrinas”. Nunca menosprezando a advertência de Benjamin Disraeli, político britânico de origem judaica portuguesa, que foi primeiro-ministro do Reino Unido: “a vida é curta demais para ser pequena”.
PS. Citação bíblica contida na Meditações para Maltrapilhos, 1° de janeiro: “O Senhor lhe apareceu, dizendo: ‘Eu a amei com amor eterno; com amor leal a atraí’” (Jeremias 31,3)