MASSISTAS, FOQUISTAS E COFRISTAS


A fotografia estampada na primeira página da Folha de São Paulo de sábado passado, 5, é por demais risível se não prenunciasse uma quase inexorável tragédia social: a presidenta do FMI, Christine Lagarde, parecendo querer binoculizar futuros indefiníveis, à frente de uma faixa que revela uma profunda ironia, diante das soluções não encontradas pelo G20: Mundo Novo, Ideias Novas. Com todos os principais países ricos buscando tirar o melhor proveito possível da crise, pouco se lixando para os descalabros sociais que vitimam os países pobres do mundo. Uma tragédia que também os vitimará no frigir dos ovos.

No mundo em desenvolvimento, então, uma grande maioria de conservadores e progressistas vez por outra se porta como salvadora da pátria, as pantomimas se encontrando quilômetros distanciadas dos legítimos anseios sociais, valendo apenas interesses pessoais e ganhos eleitorais, o povo sendo enganado trocentas vezes por siglas partidárias que escondem múltiplos interesses espúrios e estupidificantes. E a sociedade ficando cansada, como se enfastiou com a República de Weimar, na Alemanha, nos anos 30 do século passado.

Fico a imaginar como seria oportuna, nesta segunda década de XXI, a estruturação de uma Comissão da Verdade Planetária, onde se pudesse explicitar, para todas as esferas da sociedade, as ambições que estão “por debaixo do pano” das embromações e saracoteios dos fingidamente preocupados com os destinos da democracia mundial, alguns atualmente até mais inclinadas para regimes pouco condizentes com a dignidade humana. E aplaudo o lançamento, pela editora Civilização Brasileira, do livro-reportagem-pesquisa O Cofre do Dr. Rui, do jornalista Tom Cardoso, que retrata o planejamento e execução da expropriação do cofre do ex-governador paulista Adhemar de Barros, camuflado na casa de um irmão da Sra. Ana Benchimol Capriglione, então amante do governador, em Santa Teresa. Um cofre que continha documentos comprometedores e a quantia de dois e meio milhões de dólares. Uma ação bem sucedida, transformada em enganos, desilusões, embromações, torturas, mãos bobas e desfalques, inclusive suicídios e múltiplas outras picaretagens.

No livro-reportagem, Tom Cardoso mostra alguns comportamentos, inclusive o da presidenta Dilma Roussef, a Wanda, que não participou da expropriação do cofre, mas que integrava um grupo de resistência ao regime militar, tendo sido torturada nos porões da Operação Bandeirante (Oban), além de encarcerada de 1970 a 1973.

Uma parte esclarecedora do livro-reportagem relaciona-se à ação de José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, convertido em 1971 a cachorro (informante) de luxo do então delegado Sérgio Paranhos Fleury sob a alcunha de Agente Kimble, referência ao médico Richard David Kimble, personagem do seriado O Fugitivo, sucesso televisivo de então. Inúmeros companheiros tombaram pelas mãos do Cabo Anselmo, que sempre atuava sob o ingênuo respaldo político e financeiro de Onofre Pinto, o Augusto, militante que, em setembro de 1969, foi libertado em troca do então embaixador americano no Brasil. E que mantinha as despesas do Cabo Anselmo graças ao acesso que possuía aos dólares do cofre expropriado de Adhemar de Barros, depositados da Suíça.

Para quem pouco conhece a história dos anos de chumbo no Brasil, o Cabo Anselmo recebeu 50 mil dólares de Onofre Pinto,com carta branca para organizar um foco guerrilheiro no Recife, ocupando uma chácara em Paulista com os companheiros Augusto, Soledad Barret Viedma, Jarbas Pereira Marques, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, José Manoel da Silva e o casal Eudaldo Gomes da Silva e Pauline Reichstul. Todos assassinados pelos homens de Fleury, em 8 de janeiro de 1973, num massacre até hoje conhecido como o Massacre da Chácara São Bento. O deduramento sendo efetivado pelo famigerado cabo, sempre fingindo-se de combatente da ditadura.

O livro-reportagem ainda revela uma série de comportamentos morais, uns poucos condizentes com a dignidade humana, outros próprios dos que não sabem encarar dinheiro alheio. Tal e qual a ética daqueles estúpidos que estão se vangloriando do câncer que atualmente agride o ex-presidente Lula, explicitando ignorância grotesca e estupidez política, próprias dos metidos a gente civilizada, ainda que moralmente sem eira nem beira.

(Publicada em 07/11/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves