MAONOMICS


Diante das embromações fraseológicas emitidas durante a campanha eleitoral recentemente encerrada, onde “nunca antes na história recente deste país, o Brasil ficou tão para trás da economia global”, segundo Alexandre Schwartsman, PhD em Economia pela Universidade da Califórnia, é chegada a hora de um repensar serenamente consistente sobre o que está acontecendo com o país, onde a riqueza em dólar por indivíduo avançou menos de 0,5% do ano passado para cá.

No mundo, “a América do Norte foi a região que mais criou riqueza, com crescimento de 11,4% desde meados de 2013, seguida da Europa (10,6%). Já a Ásia puxou o avanço dos mercados emergentes, assim como em 2013, com destaque para a China. O país tem hoje 1,2 milhão de milionários e 1,6 milhão de pessoas entre o 1% mais rico do mundo (os EEUU, líderes, têm 18 milhões)” A informação está contida no relatório do banco Credit Suisse, divulgada pela Folha de São Paulo de 15 de outubro passado. Segundo o FMI, “se queremos entender o que vem ocorrendo no Brasil, temos apenas que buscar causas locais, que, aliás, não são tão difíceis de encontrar”.

Eis que, “diante da mais severa crise do capitalismo desde os anos 30 do século passado”, quando bravateiro barbudo proclamava que tudo não passava de uma simples “marolinha”, favorecendo amanteigados pronunciamentos ministeriais dos enrola-bostas. Que sempre imaginam que o Povo Brasileiro não pensa, acreditando em todas as asneiras ditas, uma das últimas sugerindo substituição da carne pelo frango.

Os quase ex-ministros atuais, inclusive o Guido Mantega, deveriam ler um livro que foi vencedor do prêmio National Critics Choice 2011, categoria não-ficção, tornando-se também, em 2010, o primeiro livro sobre economia a vencer o prêmio da Associação Italiana para o Desenvolvimento Econômico. Trata-se de Maonomics: por que os comunistas chineses se saem melhores capitalistas do que nós, da editora Bertrand Brasil, 2014, de autoria da economista Loretta Napoleoni, que trabalhou para bancos internacionais e organizações financeiras, considerada uma das maiores especialistas do mundo em casos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, sendo ainda professora de Economia na Judge Business School, em Cambridge.

O tema do livro é mostrar o milagre econômico chinês, ressaltando uma interpretação exclusivamente chinesa sobre democracia, que bem poderia servir de inspiração para os países ocidentais, que teimam em depreciar a economia e a política daquela região. O trabalho da economista Napoleoni é dividido em quatro partes: Globalização e comunismo; Globalização e capitalismo; Globalização e democracia: um casamento compulsório; e Imagens do futuro. Com um epílogo chamado Nossos homens na China, onde está contida uma declaração do Banco Mundial de 2009: “O progresso da China na redução da pobreza ao longo dos últimos 25 anos é invejável. (…) Não fosse a China, o número de pobres no mundo em desenvolvimento não teria diminuído nas duas últimas décadas do século XX”.

No Prólogo, a economista Napoleoni é taxativa logo no primeiro parágrafo: “O espectro da depressão ronda o planeta – mas não em todos os lugares. De Pequim à Cidade Cabo, de Singapura ao Rio de Janeiro, não é o mundo inteiro que vive à base do Prozac. No Oriente e abaixo do equador, as pessoas estão mais felizes ou, pelo menos, mais satisfeitas: gastam menos, poupam e curtem a vida. Os depressivos vivem no Ocidente. Aqui, a incerteza do amanhã atormenta e corrói as democracias capitalistas e a crise econômica transforma continentes inteiros em sanatórios de ansiosos. Os afetados por essa psicose são, em primeiro lugar, os que têm entre 18 e 35 anos de idade, cujas perspectivas de futuro parecem anuviadas por um conjunto de realidades desestimulantes”. E dá um indicador que torna os ocidentais responsáveis pelos nossos atuais males: “Depois de 1989, o marxismo continuou a ser estudado somente na China, junto com todas as outras teorias econômicas. Esse trabalho levou à criação de um modelo novo e moderno, marcado por um severo pragmatismo. Tal como a psicanálise, o capitalismo “Made in China” se aproveita de tudo que funciona (da empresa privada ao controle de capitais) e é, portanto, mais flexível e atualizado do que a sua versão ocidental. O modelo chinês é capaz de adaptar a economia a mudanças súbitas e decisivas, como o processo de globalização, e essa flexibilidade ajudou o país a se tornar a superpotência da aldeia global e a redefinir os parâmetros da modernidade”.

Até na área dos Direitos Humanos, segundo Napoleoni, a China parece estar evoluindo, concentrada atualmente nos DDHH da terceira geração. Embora longe do ideal, a China parece desejar trilhar com menos fracassos tal área, favorecendo novos impulsos sociais e democráticos, nunca apenas meramente mercadológicos.

O livro da Loretta Napoleoni deveria ser amplamente debatido nas áreas sociais brasileiras, favorecendo a identificação dos acertos e desajustes orientais, sem medo algum de enfrentar os desafios dos nossos amanhãs, reduzindo nossos individualismos possessivos, demolindo uma “modernidade líquida”, de horizonte apenas sobrevivencial para os nunca ousados, apenas sectários.

Uma leitura sem economês. Uma leitura reflexiva para as lideranças políticas empreendedoras, que buscam amanhãs mais dignificantes para a Gente Brasileira, sem gatunagens nem bandalheiras.

PS. Alerta geral: “uma importante tendência mundial é a perda de confiança nos líderes políticos, nos ‘especialistas’, nas instituições públicas, nos empresários e nos meios de comunicação … Para grande parte das pessoas, os líderes da sociedade têm menos credibilidade e são menos dignos de confiança. Os cidadãos estão mais bem informados, têm outros valores e são mais conscientes das muitas outras opções ao seu dispor. As atitudes em relação ao poder e aos poderosos estão mudando rapidamente” (Moisés Naím, IN: O Fim do Poder, SP, Leya, 2013).

(Publicado em 24.11.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves