MANIFESTO DO FERREIRA GULLAR
Nos primeiros dias de janeiro, li entusiasmado um manifesto do Ferreira Gullar intitulado Cabra Safado Não se Ama, na Folha de São Paulo, que considero o mais independente periódico brasileiro. Para quem se encontra distraído, Gullar é poeta maranhense, nascido em 1930 e batizado com o nome de José Ribamar Ferreira, quarto rebento de uma família de onze e que possuía o apelido de Periquito. Peraltando, na sua meninice, com dois grandes amigos, o “Esmagado” e o “Espírito da Garagem da Bosta”, apelidos devidamente esclarecidos em sua biografia. E que não interesam no presente texto.
Gullar inicia seu manifesto com uma constatação: “Os graves escândalos que têm abalado a vida política nacional não podem ser explicados como resultado apenas de desvios de conduta de alguns políticos, mas, sim, como resultado de causas mais complexas, de um processo de deterioração dos valores políticos e éticos que vem de longe”.
Ele afirma em seu texto que diversos fatores foram somados ao baixo nível moral dos atores da cena política brasileira, favorecendo o “afrouxamento de certos princípios fundamentais que devem nortear a ação daqueles que se pretendem representantes do povo”. E denuncia a formação de uma casta de políticos safados, que se arvoraram de assaltantes dos cofres públicos, com perda integral de uma consciência ética, embasada numa impunidade que se enrosca pelos demais poderes, legitimando uma errônea convicção popular, a de que todos os políticos calçam 40, o fechamento do Congresso, das Assembléias e das Câmaras de Vereadores tornando-se uma iniciativa de primeira grandeza para muitos.
Dentre as causas, o poeta aponta uma: a do financiamento das campanhas eleitorais por empresas e empresários, que passam a influenciar as decisões normativas em detrimento do interesse coletivo. Ele alerta para as soluções que estão a exigir uma densa cidadanização política, para defenestrar cinismos do tipo externado por aquele parlapatão que afirmou estar se lixando para a opinião pública e para o que a imprensa denunciava, pois seu eleitorado iria reelegê-lo quantas vezes ele desejasse. Um imbecil eleito com votos idiotas.
No grito escrito do Ferreira Gullar, ele põe o dedo na ferida: a ação de políticos bandidos e demagogos se encontra estreitamente vinculada ao baixo nível de consciência política da gente brasileira, em todos os níveis de renda, os mais elevados por interesse bem distintos dos situados na base da pirâmide financeira.
O poeta faz outro alerta: “É preciso fazer alguma coisa, e este é o momento certo para fazê-lo. Se há políticos safados, há também os honestos, conscientes de seu compromisso com a cidadania. E há de havê-los em todos os partidos. E se isso é verdade, por que não se unem, por cima dos partidos políticos, se for o caso, para mudar a situação e reorientar a vida política?”.
A “tijolada” que esfolou o rosto do primeiro-ministro italiano pode gerar consequências em muitos países. Por aqui, uma parte da nação brasileira, ainda muito minoritária, principia a manifestar sua crescente insatisfação com as pilantragens de políticos cretinos. Que acobertam os Zelayas da vida, oportunista de carteirinha, que fez da embaixada brasileira escritório panfletário da sua demagogia, embaixada que fez ouvido de mercador diante da decisão tomada pela Suprema Corte hondurenha. Políticos que enlameiam as convenções internacionais, ao não extraditar terrorista italiano tornado vítima por grupos sectários que o desejam ver como porta-bandeira de manifestações espúrias. Para não falar, aqui, numa elite culturalmente frágil, tal e qual aquela socialite carioca, que desejando imitar uma quengosa do passado, Odile Rubirosa, apresentou-se semi-nua num recente evento granfa. A debilóide cinco-minutos de fama nunca tinha ouvido falar de Maria Antonieta, mulher do abilolado Luíz XVI. Ambos de infaustos finais de vida.
O poeta Gullar, prova maior de um Maranhão possuidor de uma população de caráter, embora ainda bastante despolitizada, lucidamente esclarece: “Ninguém perde nada em lutar por um país melhor, e o sacrifício que faça pouco significará diante da felicidade de respeitar-se a si mesmo e de ter o respeito dos demais. Só os calhordas não entendem isso”.
E os politicos embosteados ainda não perceberam que a dívida pública brasileira já ultrapassou de muito a casa do trilhão de reais. Après moi, le déluge, já dizia um cínico famoso, que não era nordestino.
(ALGOMAIS, 08/02/2010, Recife – Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves