MAGISTRAL RECRIAÇÃO


A recriação de um dos textos gregos mais representativos, o mais famoso e influente dos diálogos de Platão, recontada pelo filósofo francês Alain Badiou, considerado um dos importantes intelectuais vivos do mundo contemporâneo, foi editada no Brasil, recentemente, pela editora Zahar, sob título A República de Platão contada por Alain Badiou.

Na apresentação brasileira elaborada pelo também filósofo Danilo Marcondes, alguma explicações: 1. A República é o mais extenso, o mais famoso e o mais influente dos diálogos de Platão; 2. Ele pode ser visto como uma longa reflexão sobre a decadência da democracia ateniense, contendo uma proposta de Platão de um modo alternativo de Estado, um projeto fundamentado teoricamente, considerado a nossa primeira utopia; 3. Partindo do que seria uma cidade justa, Platão elabora um dos seus textos mais belos, a Alegoria da Caverna, alertando sobre a influência dos mitos, sob uma dialética implacável; e 4. Platão são separa o problema da política do problema do conhecimento, não separa a discussão sobre a verdade da discussão sobre a justiça. Não se trata de uma tradução, tampouco um abrangente comentário. Nem de uma mera introdução ao texto, um a mais dos inúmeros que já existem, de muito boa qualidade. Pode-se dizer que é uma recriação de A República, com todos os riscos que isso possa acarretar, posto que A República é um dos textos platônicos mais comentados e traduzidos desde a Antiguidade.

O Alain Badiou, ao recriar o diálogo famoso, introduz novos personagens e interlocutores, inclusive a trilogia Sol, Linha Dividida e Caverna, capítulo 11, possibilita que se retome a problemática do real, do conhecimento e da política, em termos contemporâneos, revelando um Platão como um interlocutor dos tempos atuais, favorecendo uma compreensão mais sólida a partir de uma redivisão do texto feito por Badiou, abandonando os anteriores dez “livros” tradicionais, propondo uma nova divisão em dezesseis partes.

Segundo confissão feita pelo próprio Alain Badiou no prefácio, o livro exigiu seis anos de dedicação. E a razão é simples, segundo o autor: “e dele necessitamos prioritariamente nos dias de hoje, posto que ele deu impulso à convicção de que nos governar no mundo supõe abrir algum tipo de acesso ao absoluto”.

Para quem conhece Alain Badiou, ele nasceu em Marrocos, 1937, leciona na Universidade de Paris-VIII, sendo ainda Professor Emérito da École Normale Supérieure de Paris. Aclamado como um dos maiores intelectuais vivos, é dramaturgo e romancista, além de ativista político de respeitabilidade comprovada. No seu livro acima citado, ele conjuga com maestria filosofia, domínio da escrita e uma erudição profunda, apresentando ao leitor contemporâneo uma versão de Platão que se apresenta estimulante e sedutora, correlacionada perfeitamente com o mundo atual, de muito desprovido de reflexão humanística.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 06.12.2014)
Fernando Antônio Gonçalves