LIVRO PRIMORDIAL


Nas universidades, de vez em quando, e nas “falcudades”, a quase todo instante, encontramos professores, alunos e funcionários que possuem uma dificuldade imensa em se expressar de uma maneira correta, princípio, meio e fim em proveito de um entendimento sem atropelos. E sem favorecer complexos dos que ficam a imaginar ser coisa sobrenatural formular raciocínios científicos.
Recomendo com entusiasmo um livro desentupidor, já na sexta edição e da autoria de um intelectual muito aplaudido nos meios acadêmicos brasileiros, escrito para gregos e troianos de todas as áreas. O autor é Rubem Alves, teólogo e doutor em Filosofa, psicanalista por profissão, para quem a biblioteca residencial encolhe na medida que vai envelhecendo, restando hoje múltiplas admirações por Nietzsche, Saramago, Bachelard, Octávio Paz, Barthes, Guimarães Rosa, Camus e Hermann Hesse.
Para Alves, no seu livro Filosofia da Ciência, o cientista virou um mito. E todo mito é muito perigoso, posto que libera os demais indivíduos da obrigação de pensar. E Rubem não alisa: “É necessário acabar com o mito de que o cientísta é uma pessoa que pensa melhor que as outras. … Cientistas são como pianistas que resolveram especializar-se numa técnica só. … A especialização pode transformar-se numa perigosa fraqueza. E isso pode ser fatal para a sobrevivência”. E põe o dedo na ferida, para desespero dos que se auto-proclamam diferentes: “A expressão senso comum foi criada por pessoas que se julgam acima do senso comum, como uma forma de se diferenciarem de outras que, segundo seu critério, são intelectualmente inferiores”.
A primeira tarefa de todo bom profissional é ver o problema com clareza. E Rubem Alves mais uma vez adverte: “Em ciência, como no senso comum, existe uma estreita relação entre ver com clareza e dizer com clareza. Quem não diz com clareza não está vendo com clareza. Dizer com clareza é a marca do entendimento, da compreensão”.
Os capítulos, todos curtos, são de leitura sedutora, instigante, muitas vezes recheada de citações apropriadas, provocantes, algumas até refinadamente gozadoras. Exemplo: “A solução é o caminho que o levará de onde você está ao lugar onde você deseja ir. Imagine que você não sabe para ir: não poderá fazer nada inteligente. … O sábio começa no fim, o tolo termina no começo.”
Para os que estão nas instituições de nível superior, o mais importante é edificar uma credibilidade profissional que os habilite a um caminhar sempre renovado, nunca findo, sabendo enxergar o novo e o velho, situado e datado, enxergando cada vez mais. Sempre atento ao que disse o professor José Luiz Archanjo, PhD em Filosofia, especialista em Teilhard de Chardin (1881-1955), jesuíta autor de O Fenômeno Humano, um dos grandes gênios do século XX: “Ver melhor é saber mais, é conhecer, é ser mais, porque consiste em organizar sempre mais perfeitamente as linhas do Real à nossa volta e, assim, em evidenciar a significação geral dos seres e dos acontecimentos para poder atuar com ela e a partir dela. … Conhecer é também co-nascer, uma vez que, no nosso reconhecimento do Mundo, o próprio Mundo renasce para nós que, nele, com ele e por ele, vamos renascendo e co-nascendo também. Esse processo só é possível ao Homem graças à Reflexão. O Homem não é apenas o animal racional, como queria Aristóteles, mas é o animal reflexivo. O Homem não é apenas “um ser que sabe”, mas “um ser que sabe que sabe”. … Essa consciência permite ao Homem perceber-se a si próprio como chave de compreensão, centro de perspectiva de todo o Real onde ele tem um lugar, e um lugar decisivo; e, simultaneamente, descobrir-se capaz de estruturar esse mesmo Real a partir do seu saber e também do seu fazer. Eis como da visão chega-se á ação.”
Desejo aos leitores do Rubem Alves um aproveitamento gota serena de bom. Recheado de iniciativas, todos se sentindo uma metamorfose ambulantes, a la Raul Seixas, aquele baiano muito flórida.