LEITURAS PREVENTIVAS


1. Creio que uma leitura atenta do último trabalho do famoso jornalista Bob Woodward, aquele repórter que desmascarou o Watergate de Richard Nixon, merece uma atenção redobrada dos mais antenados analistas políticos brasileiros diante da recente eleição do futuro presidente Jair Bolsonaro, consagrado nas urnas menos pelo seu ideário e muito mais por uma ojeriza gigantesca do eleitorado às falcatruas que se vinham praticando por lideranças e paus mandados de um partido de vocação outrora libertadora. O livro Medo: Trump na Casa Branca, São Paulo, Todavia, 2018, 400 p., mais de um milhão de exemplares vendidos na primeira semana de lançamento nos Estados Unidos, revela um retrato íntimo dos primeiros tempos do mais controverso presidente norte-americano de todos os tempos, descrevendo como funcionários do alto escalão do governo afanam documentos do Salão Oval da Casa Branca, impossibilitando crises diplomáticas entre os EEUU e diversas outras nações do mundo, dado o temperamento do mandatário estado-unidense, avesso a protocolos, permanentemente desconfiado dos tratamentos dispensados e em continuadas escaramuças com a imprensa de Tio Sam, mormente a independente por derradeiro. O próprio autor esclarece aos possíveis leitores: “este livro é resultado de centenas de horas de entrevistas com participantes e testemunhas diretos dos eventos mencionados. … O presidente Trump se recusou a ser entrevistado para este livro.”
Como Prólogo, Woodward narra o que aconteceu nos primeiros dias de setembro de 2017, no oitavo mês do governo Trump, quando Gary Cohn, principal assessor econômico da Casa Branca, que tinha o privilégio de adentrar ao Salão Oval durante as ausências do presidente, ficou altamente chocado quando constatou uma minuta para Trump assinar, que cancelava um tratado com a Coreia do Sul que datava dos anos 1950 e que garantia a manutenção da tropa norte-americana, quase trinta mil soldados naquele país. Um tratado que possibilitava a detecção de um lançamento de míssil balístico pela Correia do Norte em apenas sete segundos!! Com o tratado cancelado, transferido o mecanismo de detecção para o Alaska, o tempo levaria apenas quinze minutos!! A manutenção do tratado na Coreia do Sul representava a essência da segurança nacional da maior economia do mundo. Retirado da mesa presidencial, o procedimento criou uma metodologia, a de como extrair documentos dos olhos de um mandatário “emocionalmente esgotado, volátil e imprevisível.” E o livro narra a trajetória de inúmeros outros bloqueios que desfavoreceriam “um colapso nervoso do Poder Executivo do país mais poderoso do mundo.”
O livro do Bob Woodward deveria ser debatido nas principais correntes partidárias não dinossáuricas do futuro Congresso Nacional, bem como entre os excelentes comentaristas políticos da mídia brasileira, favorecendo análises e posturas táticas mais consistentes nos diversos segmentos sociais da nossa sociedade. Uma maneira de combater mais efetivamente os fofoquismos e os fuxiquismos que enodoam mentes e corações dos ainda não pervertidos.

2. Outra leitura que muito facilitaria análises conjunturais futuras, evitando-se posturas saudosistas, nostálgicas por derradeiro, a revelar apegos a modelos e estratégias de tempos pretéritos que jamais voltarão a brilhar, é o livro de David Runciman, professor de política na Universidade de Cambridge, também editor convidado da London Review of Books, intitulado Como a democracia chega ao fim, São Paulo, Todavia, 2018, 272 p., onde o autor salienta como estamos presos ao passado, ressaltando que “ao nos concentrarmos nos fascismos e nos golpes de Estado como as principais ameaças, miramos alvos errados. Nossas sociedades são complexas demais para colapsar da mesma maneira”. E vai além: “Precisamos de novos modos de pensar o impensável – uma visão do século XXI sobre o fim da democracia, e se sua derrocada nos permitirá avançar em direção a um modelo melhor.”
No Prefácio, Runciman dá um exemplo que necessita de muitas reflexões pelos analistas contemporâneos. Ei-lo: “Quando um homem infeliz de meia-idade cede ao impulso de comprar uma motocicleta, o perigo pode ser grande. Se ele for um sujeito de pouca sorte, tudo pode acabar numa bola de fogo. Mas é muito menos perigoso do que a compra de uma moto por um garoto de dezessete anos. Geralmente, é só uma coisa constrangedora. A motocicleta da meia idade é usada poucas vezes e acaba estacionada para sempre. Ou passada adiante. A crise precisa ser resolvida de algum outro modo, se é que tem solução. Pois a democracia dos Estados Unidos está vivendo sua crise de meia-idade. Donald Trump é a motocicleta. E tudo ainda poderá acabar numa bola de fogo. O mais provável, porém, é que a crise continue e requeira alguma outra solução, se é que existe solução para ela.”
O livro está organizado sob três temas: o golpe de Estado; a calamidade; e o triunfo da tecnologia da informação. Sobre o último tema, já existem máquinas semi-inteligentes, encarregadas de minerar dados e tomar decisões invisíveis em nosso nome. Uma questão emerge com muita inquietação: “Iremos abdicar da nossa responsabilidade na democracia em favor dessas novas forças, sem nem mesmo pensar duas vezes?”

O autor ainda desafia ler A estrada sem ser profundamente tocado pela luta de pai e filho por uma sobrevivência mínima numa sociedade devastada por um sem número de horrores. E muito bem define: “A Estrada não nos mobiliza para ação política. É uma parábola estranhamente reconfortante para uma sociedade de sonâmbulos e funâmbulos”.POR QUÊ? O QUE NOS TORNA CURIOSOS
Mario Livio, Rio de Janeiro, Record, 2018, 252 p.
E buscaram responder algumas perguntas existentes no livro, esclarecendo as razões pelas quais a curiosidade é o ingrediente principal da criatividade em todos os ramos de vida, além de principal agente motivacional:
– As crianças são mais curiosas que os adultos?
– A curiosidade é um produto direto da seleção natural?
– Por que algumas questões aparentemente triviais nos deixam curiosos?
– Por que nos esforçamos tanto para decifrar os sussurros de uma conversa na mesa ao lado de um restaurante?
– Como a nossa mente escolhe os objetos de nossa curiosidade?
A leitura deste livro irresistível e muito divertido, muito poderá ampliar os hábitos de leitura e pesquisa de jovens e adultos que tremem diante de qualquer obstáculo cognitivo encontrado, acovardando-se e pondo tudo nas mãos do Criador, ampliando ignorâncias e complexos, provocando ingenuidades dos mais diferentes níveis, imaginando-se ainda os últimos da espécie.

(Publicada em 19.11.2018, no Jornal da Besta Fubana e no site www.fernandogoncalves.pro.br.)