LEITURAS PARA PÁSCOA


No penúltimo sábado, já era quase noite, a portaria do edifício onde moro avisou que os Correios tinham deixado uma encomenda. Dois livros e um cartão carinhoso de um amigo judeu muito amado, o Arão Parnes, hoje profissional de conceito na Capital Federal e irmão da Estelinha, que foi monitora querida como uma filha do meu pai, na Universidade Federal de Pernambuco.

Dois livros que que me proporcionaram reenergizações profissionais, cívicas e amorosas de muita valia. E o presente veio com uma dedicatória que dificilmente se diluirá na minha memória de homem amadurecido, de alguns bons bocados de quilômetros já rodados, altos e baixos, erros e acertos, com as decepções seguramente deletadas pelo nível de felicidade existencial atualmente desfrutado, apesar de todos os poréns que sempre grudam nos nossos calcanhares.

No primeiro livro, Pequenas Palestras Sobre Grandes Temas – Ensaios Sobre a Vida Cotidiana, o autor reflexiona sobre o luxo e o tédio, o matemático e o místico, Deus e o respeito pela natureza, juventude e o que leva ao terrorismo, sexo e máscaras, inveja e justiça, e muitos outros assuntos do nosso dia-a-dia século XXI, que não foi auspicioso na sua primeira década. O autor das análises é Leszek Kolakowski, um polêmico historiador polonês, eternizado em 2009, autor do muito debatido livro As Princiais Correntes do Marxismo.

Confesso, entretabto, que o segundo livro me sensibilizou mais, provocando-me inúmeros alertas de consciência, a fortalecer uma criticidade que não deve extrapolar os limites de uma não-violência ativa, helderista por derradeiro, cabrítica nunca ovelhosa, sempre buscando orientação nas mensagens de um Galileu fascinante, “executado como malfeitor perto de uma velha pedreira, nos arredores de Jerusalém, quando tinha à volta de trinta anos”, segundo o teólogo espanhol José Antonio Pagola, autor do notabilíssimo Jesus, uma abordagem histórica, brevemente editado no Brasil e que tanta coceira provocou nos poucos arejados corredores vaticanos.

O segundo livro, As Palavras de Martin Luther King, traz uma seleção de pronunciamentos de um dos maiores símbolos mundiais da resistência não-violenta, um militante batista cristão. Coletânea escolhida por Coretta Scott King, sua viúva, distribuída por sete grandes temas – A Comunidade do Homem, Racismo, Direitos Civis, Justiça e Liberdade, Fé e Religião, Não Violência e Paz -, além de dois trechos que são até hoje lidos e relidos nos quatro cantos do planeta: “Eu estive no topo da montanha” e “Eu tenho um sonho”, o primeiro proferido em abril de 1968, o segundo proclamado em agosto de 1963, quando da realização da Marcha sobre Washington, em 28 de agosto.
Sem identificar os autores dos livros acima citados, encareço aos leitores deste aplaudido portal, uma reflexão sementeira nestes dias de Semana Santa, onde muitos nem imaginam as razões do feriadão. Discutam com seus derredores o que cada autor quis dizer, agigantando seus interiores e os dos seus ouvintes. Imaginando-se sempre ator e autor de uma história, a planetária, onde a responsabilidade de cada um será contributo indispensável na edificação de amanhãs menos desiguais e hedonísticos, onde se possa diferenciar bem os individualismos perversos das individualidades que proporcionam a construção das democracias legitimamente comunitárias.
– “Tenho a audácia de acreditar que todas as pessoas podem ter três refeições por dia para seus corpos, educação e cultura para suas mentes, dignidade, igualdade e liberdade para seus espíritos. Acredito que aquilo que os homens egocêntricos demoliram, homens altruístas podem reconstruir”.
– “É fácil que queremos um mundo sem violência, mas ninguém ainda apareceu com uma receita sensata para esse mundo. Condenar todas as formas de violência absoluta e indiscriminadamente é condenar a vida. Porém, um mundo onde a violência seja dirigida somente contra o crime, a escravidão, a atrocidade, a agressão e a tirania não é uma ideia insensata, mesmo considerando que temos boas razões para duvidar de que tal mundo um dia possa existir”.

– “Uma doutrina de supremacia negra é tão má quanto uma doutrina da supremacia branca”.
– “Cada um é capaz de contar piadas que ouviu ou rir dos insucessos dos outros, mas só alguns alcançam a autoironia, que requer tanto inteligência quanto certa disciplina na emoção; de cinquenta pessoas emburradas, encontra-se uma com um sentimento de humor tal que não só consegue rir, como os outros, como também rir de si mesma”.
– “A liberdade nunca é voluntariamente concedida pelo opressor, deve ser exigida pelo oprimido”.
– “Certamente é uma verdade da experiência diária que a consciência, ou uma grande parte dela, pode ser perdida pelo hábito. Imagino que um carcereiro que tortura e mata prisioneiros lançando mão de algum poder pode, no início, ter uma má consciência, já que a abafa em nome de alguma ideologia e tem justificativas para a sua profissão, mas, com o tempo, perde essa sensibilidade e trata o seu trabalho como se matasse pernilongos”.

Como o poeta Fernando Pessoa, guardadas as devidas proporções, sigo no dever maior de somente abandonar o meu querido Nordeste no último pau-de-arara, posto que, aqui, pressinto algo de grandioso e fecundo para as próximas décadas, cabendo a todos nós a sabedoria de bem se orientar diante das encruzilhadas da História.

PS. Feliz Páscoa para todos os leitores desta Reflexões!!

(Portal da Globo Nordeste, 01.04.2010, Blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves