LEITURAS ESCLARECEDORAS


Não sendo marxista, ainda que muito aprecie os princípios do socialismo democrático, concordo plenamente com o ex-ministro Antônio Delfim Neto, um nunca-marxista, quando ele proclama ser tremenda idiotice um empreendedor capitalista não buscar compreender as ideias de O Capital, para entender melhor o desenvolvimento dos seus negócios, num século espetacularmente formado por mil e trocentas alterações conjunturais.

Acho também uma imensa graça quando reacionários de QI minimizado denigrem a imagem de Karl Marx, desconhecendo por absoluto sua caminhada intelectual à luz da história do século XIX, da mesma forma que me divirto às pampas com aqueles que imaginam Adolf Hitler como um paspalhão que levou a Alemanha à Segunda Guerra Mundial, não percebendo que Mein Kampf (Minha Luta) foi um dos livros políticos mais vendidos de todos os tempos, mais de doze milhões somente na Alemanha, continuando ainda hoje a ser vendido no mundo inteiro, ingenuamente tampouco não o identificando como um manifesto de nacionalismo extremado que continua mantendo sua influência incendiária. Inclusive no Golpe de 1964, no Brasil, de torpezas mil, embora sem práticas antissemitas.

Atendendo uma solicitação de ex-aluno FCAP, recomendaria algumas leituras significativas, dessas que historicamente esclarecem situações vivenciadas há muitas décadas, praticamente postas de lado por uma juventude tecnicista, hedonista e altamente tecnologizada, de pensar crítico reduzido, desconhecendo por completo recomendação das Ciências Humanas, a de que não se faz bom futuro quem não compreende bem os acontecimentos passados mais recentes da humanidade.

A primeira delas é uma biografia de Karl Marx – Karl Marx – uma vida do século XIX – de Jonathan Sperber, SP, Amarilys, 2014. Sperber é professor da Universidade de Missouri, EUA, e autor de inúmeras pesquisas sobre o século XIX. O testemunho do professor Mário Sérgio Conti na revista Piauí é por demais esclarecedor: “Seu subtítulo diz tudo. Não se trata de encarar Marx como personagem do mundo contemporâneo, mas de vê-lo como um produto da era vitoriana. Karl Marx – Uma Vida do século XIX é fascinante!” Na orelha do livro, um balizamento: “Entre seu nascimento, em 1818, e sua morte, 65 anos depois, Karl Marx se tornou um dos filósofos políticos mais influentes da civilização ocidental. Passados dois séculos, ele ainda é reverenciado como um profeta do mundo moderno, embora também seja responsabilizado pelas mais tenebrosas atrocidades da história recente. Contudo, o Marx barbudo, de estatura baixa e ombros largos – um homem comum – permanece obscurecido por diversos ‘ismos’ políticos, seja interpretado por lentes parcialmente distorcidas de seu principal discípulo, Friedrich Engels, seja compreendido como ideólogo dos regimes totalitários do século XX.”

A segunda indicação é Nazismo e Guerra, de Richard Bessel, RJ, Objetiva, 2014. Um trabalho que, segundo a orelha do livro, “vai ao âmago da ideologia nazista: a crença na guerra e na raça.” O livro é composto de quatro ensaios que examinam a relação entre o nacional-socialismo alemão e a guerra: “o período posterior à Primeira Guerra Mundial, sem a qual seria difícil imaginar a ascensão e o triunfo do nazismo; o caminho para a Segunda Guerra Mundial, que dominou a política nazista depois que Hitler passou a liderar o governo alemão; a condução da Segunda Guerra Mundial, na qual a ideologia nazista se concretizou numa guerra racista de extermínio; e o período posterior à Segunda Guerra Mundial, no qual os escombros deixados pelo nazismo afetaram a vida de alemães e europeus muito além de maio de 1945”. O autor é uma das autoridades mais significativas da história política e social da Alemanha moderna, demonstrando, no seu livro, como o ódio racial foi a força motriz do nazismo. E não titubeia: “A ascensão e a queda do nazismo e as guerras provocadas pelo Terceiro Reich afetaram profundamente a sociedade, a política e as mentalidades alemães e europeias, e continuariam a afetá-las durante décadas.” Não sendo possível esquecer os horrores praticados como uma “parte aterrorizante da história do mundo imperfeito no qual vivemos”.

A última indicação, leitura que fornece analiticamente uma magistral gênese da Primeira Guerra Mundial, é Os Sonâmbulos: como eclodiu a Primeira Guerra Mundial, de Christopher Clark, Companhia das Letras, 2014. O autor é professor de História Moderna da Universidade de Cambridge, considerado atualmente um dos maiores especialistas em história alemã nos séculos XIX e XX. Baseado numa vastíssima quantidade de documentos inéditos, o autor busca reconstruir, para esclarecer, um dos momentos históricos mais controvertidos e também mal compreendidos da história: o assassinato do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando e de sua mulher, Sophie Chotek, pelo separatista bósnio Gavrilo Princip. Um atentado terrorista de impressionante eficiência, liberando a Bósnia da dominação dos Habsburgo, erigindo uma Sérvia forte e sacrificando uma ordem mundial aparentemente próspera e pacífica. “A Primeira Grande Guerra mobilizou 65 milhões de soldados e deixou um saldo de três Impérios destroçados, 20 milhões de militares e civis mortos e 21 milhões de feridos, tornando-se, segundo o historiador norte-americano Fritz Stern, “a primeira calamidade do século XX, a calamidade da qual brotaram todas as outras”.

O livro de Clark não traz estratégias militares, tampouco batalhas e atrocidades cometidas. Ao contrário, ele analisa em detalhes uma complexa “rede de eventos, interesses e frágeis equilíbrios de forças” que levaram a desastrosas iniciativas, detonadoras de um conflito de violências incalculáveis. O autor expõe com riqueza de detalhes as decisões e os condicionamentos que redundaram numa Guerra Mundial de consequências humilhantes para a Alemanha, com o Tratado de Versalhes, favorecendo a emersão do nazismo e da Segunda Grande Guerra, de resultados incompatíveis com a dignidade humana.

(Publicada em 28.07.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves