LEITURAS DE DENSIDADES VÁRIAS


Um vício maravilhoso, transmitido pelo meu saudoso pai e pela professora Miriam Didier do Rego Maciel, que morava em frente à nossa casa, na Rua Tito Rosas, em Parnamirim, no Recife, me fizeram um devorador de livros de todos os tipos e tamanhos, menos os medíocres e idiotizados, os alienantes e os abilolantes, aqueles que transformam mentes leitoras em mentes ruminantes, só faltando o rabo, a crina, o relincho e as patas.

Outro dia, na casa de um paraibano amigo querido, uma senhora de fino trato me pediu que lhe enviasse algumas indicações de livros para que ela pudesse presentear pessoas de vários calibres cognitivos, habitantes do seu jardim cardiológico, parentes algumas. De pronto aceitei afoitamente atendê-la, embora lhe informando que o faria através do site do Jornal da Besta Fubana, uma iniciativa coordenada pelo escritor Luiz Berto, que muito tem contribuído para a disseminação de um “desabestalhamento internético” para gregos e troianos de todas as qualificações afetivas, 16 já devidamente registradas em documentos de ensino, pesquisas e análises de modos de vida sexual. Todas as indicações passaram por uma leitura devoradora minha, posto que seria desonestidade indicar leituras que estivessem ao largo dos meus olhos de viciado contumaz em rabiscar páginas de livros. Para Dona Larinha, gente que estimo e de cuca sem mas-mas-mas nostálgico que emburrece e nada edifica, eis o que me pediu:

1. Sabedoria das palavras, Huberto Rohden, São Paulo, Editora Martin Claret, 1997, 258 p. Através de luminosas intuições, HR, educador e filósofo brasileiro (1893-1981), especialista na Filosofia Univérsica, explica a simbologia das parábolas do Homão da Galileia, destinando uma parte do texto para traçar um auto-retrato da alma de Jesus, através das Bem-aventuranças, que muitos consideram, eu inclusive, como o coração do Novo Testamento. Experiências pessoais de vida para quem busca uma iluminação maior do seu interior na atual passagem terrestre. Caberá a cada leitor, perceber as bem-aventuranças como uma proposta estratégica de caminhada, para cumprir com efetividade, depois de vivências várias, o objetivo de tornar-se também Luz para todo o sempre.

2. Por que fazemos o que fazemos?; aflições vitais sobre trabalho, carreira e realização, Mário Sergio Cortella. São Paulo, Planeta, 2016, 174 p. Um texto incrivelmente desfrescurizado que esclarece sobre os reais objetivos da vida de cada um, seja ela de graduação, administrativa, de comerciante, dona de casa, estudante de nível médio ou ainda em busca de se encontrar na caminhada percorrida. Uma excelente oportunidade para avaliar ontens percorridos, hoje vivenciados e amanhãs almejados, entendendo as razões pelas quais bem colhe quem sabe plantar bem, dignificando os talentos proporcionados pela Criação. E entendendo que não há prazeres contínuos e que sorte nunca foi condição para ganhos imediatos. O desistir fácil pode levar à depressões profundas, o persistir continuado certamente levará a galgar patamares mais compatíveis com o seu querer vencer sem diminuir quem quer que seja.

3. O melhor do humor brasileiro: antologia, Flávio Moreira da Costa (org), São Paulo, Companhia das Letras, 2016, 452 p. Um recomendável método de oxigenar o interior com um humor sadio, de várias épocas. Uma pequena enciclopédia de olhar abrangente sobre a sagacidade do nosso povo, a favorecer pelo riso os momentos nem sempre tranquilos do existir, mandando à merda moralistas e puritanos que apenas “só pensam naquilo”. Nunca se olvidando daquele tarado acompanhador de procissões que cantava piedosamente “No céu, no céu, com sua mãe estarei…” Tampouco renegando o poeta Mário Quintana (1906-1994): “A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer” … “O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente” … “Não importa saber se a gente acredita em Deus: o importante é saber se Deus acredita na gente” … “Só se deve beber por gosto: beber por desgosto é uma cretinice” … “Sonhar é acordar-se para dentro” … “Vale a pena viver – nem que seja para dizer que ela não vale a pena”.

4. O fio das missangas; contos, Mia Couto, São Paulo, Companhia das Letras, 2009, 148 p. Páginas do notável escritor moçambicano, nascido em 1955, também biólogo, jornalista e autor de mais de trinta livros provocadores de ansiosos quero-mais. Pequenos enredos que dão vida a tramas, situações e personagens que ampliam a vontade de viver, ensinam a melhor escrever e deixa os espíritos repletos de significados positivos, despertando a sensibilidade daqueles que teimam em pulular na não-existência, imaginando-se esquecidos ou nunca mais desejantes. A escrita de Mia Couto enfeitiça, provoca a lembrança de adaptação de um provérbio moçambicano: “O coração é como a árvore – onde quiser volta a nascer”. Para quem gosta de contos, uma leitura arretada de muito ótima!

5. Para uma especialidade leiga: sem crenças, sem religiões, sem deuses, Marià Corbi, SP. Paulus, 2010, 296p. Um texto inteligentemente contextualizado, cujo autor, um PhD em Filosofia, é epistemólogo de renome, tendo consagrado sua vida ao estudo das consequências ideológicas e religiosas das transformações geradas pelas sociedades pós-industriais de inovações tecnológicas e descobertas científicas. O autor se baseia num “tempo axial”, expressão cunhada por Karl Jaspers, indicando a emergência de uma era onde as ideias mudaram o sentido mais profundo do sentir a Criação, qualitativa e quantitativamente, na qual o espiritual adquire novas formatações, favorecendo amanhãs diferenciados, no religioso, no axiológico, no econômico, no político, na organização da vida familiar, nas relações entre indivíduos, regiões e países, acelerando as obsolescências das religiões tradicionais, minimizando fatores culturais e ideológicos que impulsionaram sociedades nos séculos passados. Uma leitura necessária para quem tem responsabilidade sobre as posturas libertadoras de todos os consequentes credos religiosos, favorecendo as suas sobrevivências institucionais e práticas pastorais.

Espero, Dona Larinha, que a senhora faça bom destino das indicações acima, proporcionando sadias complementações cognitivas existenciais entre os presenteados pela sua generosidade. Um cheirão arretado de ótimo na sua cuca maravilhosamente contemporânea.

(Divulgado em 12.09.2016, nos sites www.luizberto.com e www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves