LEITURAS ARREBATADORAS
Peço vênia ao Roberto Andrade, sem qualquer bajulismo para com o editor da ALGOMAIS pra lá de arretado, para recomendar algumas leituras aos que ainda buscam preservar a construção de uma cidadania distanciada das hipocrisias reinantes nas épocas natalinas, quando a mensagem do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, parece jazer submersa diante das festividades, inclusive religiosas, que apenas buscam explicitar vaidades e estroinices, fingimentos e cinismos. Leituras que seguramente reavivarão os interiores de todas as idades, escolaridades e gêneros, respeitados os perfis neuroniais de cada um, favorecendo um caminhar 2011 com mais tesão existencial, vontade de assegurar o bom combate, congregando bem enxergâncias e pernambucanidades.
Para pais e mães que sempre incentivaram seus filhos adolescentes no caminho de uma sempre ética criatividade empreendedora, a edição definitiva, comentada e ilustrada de Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, excepcional edição Zahar 2010, é capa, espada e algo mais altamente recomendável. Diz a história que, às vésperas da sua eternização, Dumas é flagrado pelo filho mais velho relendo as peripécias de Porthos, Aramis, Athos e d’Artagnan, que lhe pergunta – O que está achando? –Tudo certo, respondeu Dumas. – E Monte Cristo?, provocou o filho. E uma resposta veio para ficar nos anais do capa-e-espada: – Não vale Os Mosqueteiros. Uma leitura inteligente recheada de humor de muita picardia, como o duelo que termina com d’Artagnan arrancando à espada os botões da calça de Jussac, seu desafiante. Uma excelente ocasião para conhecer Bassompierre, que era ao mesmo tempo protestante por convicção e católico por ser detentor da ordem do Espírito Santo, um alemão de nascimento e francês por arrebatamento.
Para os pais que gostam de história sem embromações e facciosismos, um lançamento 2010 historicamente oportuno da Companhia das Letras: Hitler, de Ian Kershaw. Condensando sem qualquer desmazelo os dois volumes anteriormente lançados, Kershaw busca resposta para duas perguntas: Como Hitler foi possível. Como pôde um desajustado tão bizarro chegar a tomar o poder na Alemanha, um país moderno, complexo, economicamente desenvolvido e culturalmente avançado?, a primeira; Como pôde Hitler depois exercer o poder, lidando com nazistas grosseiros e com uma máquina de governo acostumada a mandar?, a outra. O autor busca demonstrar “como uma sociedade moderna, avançada, culta pode afundar rapidamente na barbárie, culminando em guerra ideológica, brutalidade e rapacidade dificilmente imagináveis, e em um genocídio como o mundo jamais testemunhara”. Um livro que ressalta como, às vezes, tudo que é sólido se desmancha no ar, usando o título de texto famoso de Marshall Berman.
A editora Loyola lança Obras Completas de Teresa de Jesus, escritos de uma mulher sem frescura, que marcou presença na história da humanidade, nascida Teresa de Cepeda e Ahumada, nascida na província de Ávila, em 28 de março de 1515. Enfrentando bispos calamitosos, nepóticos, fingidamente pastores e nulamente comprometidos com evangelizações consistentes, Teresa de Jesus, hoje Doutora da Igreja, em 2015 será mundialmente homenageada por ocasião do seu V Centenário de nascimento. Teresa foi autodidata e de formação doméstica, embora no seu lar as letras possuíssem lugar de honra. Considerada “mestra dos espirituais”, ela sempre soube se impor pelo seu caráter e sua feminilidade diante dos teólogos e detratores. Segundo frei Patrício Sciadini, “Teresa tem uma palavra para o ser humano do terceiro milênio: não há outro caminho para superar a solidão, a falta de sentido da vida, os vazios existenciais, a materialização da vida e os mais variados consumismos; o único caminho é o encontro com Deus, que nos realiza e nos chama a ser um com ele”. Três reflexões de Teresa só para servir de aperitivo: “Ser grande é amar os pequenos. Ser pequeno é odiar os grandes”; “Ter coragem diante de qualquer coisa na vida, essa é a base de tudo”; “É uma grande virtude considerar todos melhores que nós”.
Por fim, uma análise histórica do teólogo Hans Küng, para quem “Não há paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não há paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não há diálogo entre as religiões sem pesquisa de base nas religiões”. Autor de O Judaísmo (1991) e O Cristianismo (1994), Küng recentemente tornou público Islão – Passado, Presente e Futuro, Edições 70, Lisboa, concluindo suas pesquisas sobre as três grandes religiões monoteístas. Uma excelente oportunidade para se conhecer melhor uma religião habitualmente retratada pelos meios de comunicação como instigadora de atos terroristas, opressora de mulheres e inimiga do Ocidente. Uma visão simplista e quilômetros distanciada da realidade, muito bem demonstrada por Küng, numa análise que abarca 1400 anos de trajetória do islamismo, a religião que mais cresceu no mundo nas últimas quatro décadas. Uma leitura inadiável para todos aqueles que buscam entender as razões pelas quais, depois da Guerra Fria, se tenta “substituir a imagem do comunismo pelo Islamismo como imagem do inimigo”, um mero pretexto para se criar atmosferas favoráveis para novas agressões imperialistas. Compreender mais é necessário, numa conjuntura como a atual, onde se busca reformular as relações internacionais e também as relações entre as três religiões abraâmicas.
Por fim, um lembrete: “Não basta refletir, obter maior clareza e falar. É preciso agir. Esta não deixa de ser a hora da palavra, mas torna-se, com dramática urgência, a hora da ação. É o momento de inventar, com imaginação criadora, a ação a ser realizada e, sobretudo, levá-la a término com a audácia do espírito e o equilíbrio de Deus”.
PS. Para todos os pernambucanos e pernambucanizados que nem eu, às vésperas do nascimento de um Menino infinitamente bombado pelo amor de Deus. E um abração especial para o Raimundo Carrero, que no próximo dia 20 estará recebendo parabéns de todos os seus admiradores.
(Publicada em 13/12/2010, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves