LEITURA VALIOSA


Quando necessito restaurar minhas energias espirituais, exausto das baboseiras religiosas, eleitoreiras e sociais que circulam nestes tempos fingidos, onde todo pilantra é bonzinho, o mundo é lindo e tudo sairá bem no final da novela Avenida Brasil, depois de múltiplas fornicações, fingimentos de penca e chifres pra tudo quanto é lado, além da Suelen toda boazuda e sempre safadérrima, resfolego-me numa leitura não-abestada, inteligentemente cutucadora, escrita por gente que sabe o que pensa e pensa sem se incomodar com os ibopes dos jumentálicos, adjetivo tão ao gosto da Lúcia Pontual, arguta pesquisadora social e ex-companheira de trabalho da sempre saudosa Fundação Joaquim Nabuco.

Numa das minhas últimas aulas de Desenvolvimento Gerencial na FCAP, um atento aluno, Carlos Rafael Dantas, inteligência diferenciada dos que se imaginam apenas “univelsitários”, fez menção a um livro que o deixou bastante mais antenado profissionalmente. E no feriadão último, por ocasião das comemorações de uma Independência ainda a carecer de muitos atributos sociais, políticas públicas sementeiras e posturas éticas consistentes, me dediquei ao livro que me deixou mais diferenciado dos cotidianos vivenciados nos últimos tempos. Editado em 2009 pela Record e de autoria de Benjamin R. Barber, um teórico político internacional renomado, o livro tem um título incomodatício: Consumido – como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos.

O autor dedicou toda sua vida a comprovar “como o etos infantilista priva a sociedade de cidadãos responsáveis e substitui bens públicos por mercadorias privadas”. Etos são hábitos e costumes fundamentais que caracterizam uma determinada era civilizacional. Hoje, o consumismo se apresenta como uma forma tardia de capitalismo, sendo ele o principal responsável pela atual crise econômica mundial, onde os consumidores estão sendo atraídos mais pela imagem que pela função do produto.

Diante das gritantes desigualdades sociais do planeta, Barber diferencia dois tipos de consumidores: o pobre do país em desenvolvimento, com múltiplas necessidades e sem meios de satisfazê-las; e o rico dos países desenvolvidos, com muito dinheiro, mas sem ter mais onde gastar. E ele analisa as causas pelas quais “o capitalismo atual não se baseia mais na produção de mercadorias, mas na produção de necessidades”. E aponta as prováveis consequências para os nossos filhos e para nossa incipiente cidadania, oferecendo iniciativas de resistência sobre como “transcender à esquizofrenia cívica que o consumismo disseminou”.

O livro do Barber é composto de três partes. Na primeira, O nascimento dos consumidores, ele analisa o capitalismo triunfante e o etos infantilista, relembrando de sopetão a sempre lembrada reflexão do apóstolo Paulo (1Co 13,11), quando ele ressalta que, como homem, tinha abandonado as posturas infantis. Na segunda, ele analisa a infantilização dos consumidores, a ostentação idiótica, a homogeneização das aquisições hedonísticas, provocando o fim da diversidade. E na última parte, ele indaga se o capitalismo tem cura e como se pode restaurar a cidadania num mundo crescentemente interdependente.

Uma leitura imperdível para não-alienados.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 21.09.2012)
Fernando Antônio Gonçalves