LAMENTÁVEIS DESISTÊNCIAS


O Instituto Humanitas Unisinos, RS, numa das suas edições últimas, traz reportagem assinada por Caio Junqueira sobre parlamentares que não desejam mais disputar a reeleição em outubro próximo.

O texto revela que o eleitor renova, em média, a cada quatro anos, um percentual significativo do Congresso Nacional. Diz que, “neste ano, pelo menos quatro deputados de longa trajetória política anunciaram a decisão de não disputar mais eleições, dizendo-se frustrados com os processos eleitoral e legislativo”. Os deputados Roberto Magalhães (DEM), Fernando Coruja (PPS), Ibsen Pinheiro (PMDB) e José Eduardo Cardozo (PT) se pronunciaram pela não-disputa, havendo ainda o deputado Arnaldo Madeira (PSDB) que ainda não não formalizou sua decisão.

As razões de tamanha insatisfação convergem para um ponto significativo: a atividade parlamentar está em franca decadência, com tendências para um pioramento cada vez acentuado. Disso resulta um distanciamento cada vez maior de grandes temas, onde os que desejam aprofundá-los recebem cada vez menos votos. Segundo o deputado Ibsen Pinheiro, “Cerca de 90% dos deputados dedicam 90% de seu tempo a aspectos secundários da vida nacional. São emendas individuais, nomeações políticas e verbas de campanha.” Ele define as atividades da quase totalidade dos atuais parlamentares: “Meros despachantes”. E conclui sem titubeios: “Não se analisa nada que vá contra alguma das 19 minorias parlamentares existentes. Por isso a Nova República está se perdendo muito na formulação de democracia e pouco na de projetos, e isso tem feito com que as instituições se atrasem em relação ao país. Estamos ainda com cara de Terceiro Mundo, enquanto o mundo nos quer dar o papel de protagonista.”

O ex-governador de Pernambuco e ex-prefeito de Recife Roberto Magalhães, uma personalidade de caráter, além de talento jurídico nacionalmente reconhecido, sustenta posicionamento no que ele chama de “monetarização da campanha”, onde as ideias são postas de lado, a disputa se traduzindo entre quem tem mais recursos financeiros. Integrante de uma ala conservadora, o ex-governador de Pernambuco acredita que, fora do parlamento, poderá melhor contribuir para o desenvolvimento das ideias sobre o futuro regional.

Lamentavelmente, pode-se equiparar o Congresso Nacional a uma imensa geléia geral, onde a turma do amém se mistura com a turma do quanto é meu, isolando os mais sérios de todos as agremiações partidárias. E os que pensam diferente dentro das suas próprias legendas.

O deputado Arnaldo Madeira, que sofre boicote por causa das suas posições, diz que, no Congresso Nacional, a maior coligação que existe é a do gasto, coligando governo e oposição. E confessa: “Levo meu posicionamento para a bancada, mas o que ouço é que é preciso aumentar as categorias contempladas com os gastos, não diminuí-las.” E conclui: “É importante entender antes de discordar, mas o que acontece aqui é que eles discordam antes de entender. Há um medo geral de não conseguir ser reeleito”.

Diferentemente do que acontece em outros países, no Brasil há um conceito emporcalhado de democracia representativa. Sob o lema de que a Casa é do povo, nela se pode entrar e fazer o que quiser, até pedir esmolas ou oferecer bugigangas. Nos países dotados de um maior nível de consciência política, a Casa do Povo é local de muito trabalho deliberativo, onde grandes temas são analisados para o bem futuro do país.

Para caracterizar mais a ojeriza em muitos sentida, o deputado Fernando Coruja não deixa por menos: “Política virou negócio. Tudo aqui é negociata. Tem muito rolo ainda, muita negociação estranha. Dá sempre a sensação de que tem a negociação de alguma benesse econômica por trás das emendas e dos projetos apresentados.”

Outro dia, numa audiência pública já concluída, um assessor parlamentar me olhou como se eu fosse uma espécie raríssima, certamente um “homo-imbecilis”, desses que perdem muito tempo com um monte de besteiras tipo cultura, empregabilidade, democracia, dignidade, desenvolvimento de todos, direitos humanos e cenários futuros. Abraçando-me, dado um conhecimento de escola secundária, respeitosamente me aconselhou: “Tás ainda ágil, amigo. Sai dessa e entra numa boa, numa que dê muito ibope, tutu e mulher, que é o que hoje vale. O resto é cascata pura, cada um devendo procurar o melhor para si, sem se preocupar em dar colher de chá pros outros”. Juro que me afastei do ex-colega de colégio relembrando as teses sobre “criminoso nato” defendidas pelo italiano Cesare Lombroso.

No mais, é continuar seguindo em frente, olhando para os amanhãs pernambucanos e brasileiros, sempre adepto do ensinamento do poeta Rudyard Kipling: “Mostrar seus sentimentos é arriscar-se a se expor; dar a conhecer as suas idéias, os seus sonhos, é arriscar-se a ser rejeitado; amar é arriscar-se a não ser retribuído no amor; viver é arriscar-se a morrer; esperar é arriscar-se a desesperar; tentar é arriscar-se a falhar. Mas devemos nos arriscar! O maior perigo na vida está em não arriscar. Aquele que não arrisca nada, não faz nada, não tem nada, não é nada!”.

(Portal da Globo Nordeste, 24.06.2010, Blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves