LAMA, DESESPERO, INDI(GESTÃO)


Diante da tragédia causada pelas enchentes em Pernambuco e Alagoas, encareço aos meus leitores muita solidariedade e ajuda. E peço também que leiam Daniel 2,31-35, quando o profeta relatava um sonho para o rei poderosão de então, trecho aqui repetido para poupar manuseio das Escrituras: “O senhor teve uma visão na qual viu uma estátua enorme, de pé, bem na sua frente. A estátua era brilhante, mas metia medo. A cabeça era de ouro puro, o peito e os braços eram de prata, a barriga e os quadris eram de bronze, as pernas eram de ferro, e os pés eram metade de ferro e metade de barro. Enquanto o senhor estava estava olhando, uma pedra se soltou de uma montanha, sm que ninguém a tivesse empurrado. A pedra caiu em cima dos pés da estátua e os despedaçou. Imediatamente, o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro viraram pó, como o pó que se vê no verão quando se bate o trigo para separá-lo da palha”.

Como podemos interpretar o relatado pelo Daniel diante do acontecido em Pernambuco e Alagoas? Recorri à sabedoria do meu querido irmão João Silvino da Conceição, visitando-o sob pretexto de assistir EEUU x Gana, pela Copa do Mundo, jogo vencido com todos os méritos pelos africanos, parentes distantes do Obama.

A análise do Silvino, gravada, eu a transcrevo abaixo, solicitando um refletir sobre a opinião dele, um homem do povo sem qualquer experiência sobre desenvolvimento urbano, muito embora sendo primo de especialista no setor, a Norminha Lacerda, que foi aprovada com amplos méritos em recente concurso para Professor Titular da Universidade Federal de Pernambuco. Eis a fala do Silvino, transcrição sintetizada e sem mais os tropeços de concordância:

– Esse sonho do Daniel me faz lembrar o que está acontecendo no Brasil de umas décadas para cá. Construímos navios, alcançamos a camada do pré-sal, temos voz e vez nos mais diversos espaços mundiais, entregamos aviões de primeiríssima qualidade, produzimos equipamentos de última geração, somos considerados um gigante econômico e campeões disso e daquilo, mas estamos profundamente desatentos aos pés de barro que sustentam as estratégias governamentais dos nossos amanhãs.

– Logo que aconteceu a tragédia das enchentes em Pernambucano e Alagoas, o presidente Lula e alguns auxiliares diretos vieram observar de perto o ocorrido, fato que merece elogios e agradecimentos. O governador Eduardo Campos de pronto mobilizou seu primeiro escalão, oferecendo todo apoio possível. Mas é preciso prestar atenção redobrada na avaliação feita pela Dra. Raquel Rolnik, relatora para a área de moradia da ONU e professora de Urbanismo da Universidade de São Paulo: “A causa dos desastres provocados pelas chuvas em Pernambuco e Alagoas não é falta de verba. O que está faltando no Brasi como um todo é planejamento”. E disse mais: “- Qualquer dinheiro que você joga sem que haja gestão, vai para o ralo, a gente não calcula isso em bilhões, é uma questão muito mais complexa que isso”.

– A professora Rolnik elogiou a Defesa Civil recifense, ressaltando as iniciativas do Viva o Morro, que atuam coordenadas com o programa Guarda-Chuva. Segundo ela, “uma coisa é resposta diante de um desastre, outra coisa é uma ação de mapeamento, monitoramento e identificação de áreas de risco e de montagem de estruturas de gestão do risco. E isso não existe nas pequenas cidades atingidas pelas enchentes”. E vai mais além: “A imprensa erra ao abordar essa questão e reduzir o problema à quantidade de dinheiro que foi ou não foi para o estado, esse é um sub-tema, do sub-tema do sub-tema. A questão mais ampla é gestão do território, do risco, planos municipais, conhecimento da situação, equipes técnicas preparadas”.

– Em tudo deve prevalecer um senso crítico, que separe o joio do trigo, o verdadeiro do aparente, as ações governamentais das bur(r)ocracias de plantão, onde encontramos um sem-número de afirmações bestialógicas, que geram mal-entendidos, desilusões e inconformismos, quando não fuxicos decuplicados pela alienação dos assistidos.

Numa conferência recente, alguém escreveu num flanelógrafo: “quando quiser saber alguma coisa sobre jóias, não pergunte ao alfaiate, pergunte ao joalheiro”. Eis o caminho mais realista, menos prejudicial, mais consistente. Com apenas um porém: o joalheiro deve ser bom, inspirador de muita confiança, conhecedor das realidades, das exequibilidades e dos modos de caminhar.

Em janeiro de 2009, o ex-ministro francês da Educação Luc Ferry, enviou carta ao Primeiro Ministro, sobre a crise que se abatia sobre o povo francês. Reproduzo um dos seus parágrafos, onde substituo apenas a palavra França pela palavra Brasil: “O Brasil de amanhã deve refletir sobre si mesmo hoje! Mais do que nunca, precisamos poder delimitar as principais mudanças que estão em prática há meio século. É necessário antecipar as evoluções prováveis, recensear soluções possíveis, fixar linhas de horizonte.” Para um bom entendedor, basta.

Trabalhar o futuro com as ferramentas do presente, sem abastardamentos nem críticas sensaboronas, que apenas revelam cretinice, eis recomendação básica. Sem ficar chorando sobre o leite derramado, enfraquecendo ainda mais os pés da estátua sonhada pelo profeta Daniel.

PS. A carta do ex-ministro Luc Ferry se encontra no seu livro Diante da Crise – Materiais para uma Política de Civilização, Difel 2010

(Portal da Revista ALGOMAIS, 28/06/2010, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves