JUDEU ANALISA IRMÃO


Dentre os volumes do meu ambiente de trabalho, os relacionados com o Homão da Galileia são os mais rabiscados sob a recomendação de Ivan Illich, a de “nunca confundir salvação com Igreja”. E um dos mais esmiuçados é Jesus, de David Flusser. Um texto com um inteligente Prefácio do professor Steven Notley, do Jerusalem University College, complementado por sensível Introdução do próprio Flusser.

Eternizado em 2000, Flusser frequentou a Universidade de Praga, onde entusiasmou-se pela figura do Nazareno. Doutorou-se em 1957 pela Universidade Hebraica de Jerusalem, lá tornando-se docente de Religião Comparada.

Como judeu ortodoxo, Flusser aplicou seus conhecimentos da Torá, do Talmude, do grego, do latim e do árabe, além do hebraico dos documentos do Mar Morto, para evidenciar as raízes judaicas do cristianismo. Um seu colega docente da Universidade Hebraica de Jerusalém, David Satran, declarou que ele “foi bastante notável na sua determinação de proclamar que não só Jesus era um judeu de nascimento até a morte, nada fazendo que pudesse ser interpretado como revolta ou questionamento dos princípios básicos do judaísmo da sua época”. Complementa Steven Notley, no prefácio do livro: “Nós, cristãos, lemos com frequência as histórias e os ditos de Jesus com pouco conhecimento de questões contemporâneas, personagens e nuances de linguagem que fornecem elementos muito importantes para a formação de nossa compreensão de sua vida e dos seus ensinamentos”. E disse mais: “Jesus estava satisfeito com os elementos essenciais da dialética judaica. E Flusser demonstra sua familiaridade com a natureza às vezes intrincada da hermenêutica judaica”.

O livro Jesus se encontra estruturado em vinte capítulos, doze constituindo a parte principal e oito definidos como Estudos Suplementares. Nestes, vale a pena refletir demoradamente nas seguintes proposições: Qual era o significado original de Ecce Homo?; O Crucificado e os Judeus; A topografia e a arqueologia da Paixão; e Os estágios da História da Redenção segundo João Batista e Jesus.

Na análise de Flusser, compreende-se, sem pusilanimidades dogmáticas nem fundamentalismos histriônicos, os vínculos entre o judaísmo e a religião do Homão da Galileia. E se pode vislumbrar os entrelaçamentos edificados numa consciência classificada de religiosa, inclusive no escândalo proporcionado pelo apóstolo Paulo, quando explicitou em seus escritos a natureza de um homem aceito como Deus.

No livro de David Flusser, poder-se-á escoimar do pensamento “as noções confusas e obscuras que formam a intolerância, a violência, os dogmas ensandecidos que amesquinham os homens, reduzindo-os as estatuto de feras nutridas de inumeráveis ficções. Quando os religiosos pensam o divino e a natureza, a sua exposição deixa de ser um relato racional e passa ao campo do delírio e da extravagância”. Entendendo as intenções de um autor que trabalhou como um homem de fé, aplicando sua vasta erudição em estudos apaixonados pelo Jesus da história.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 18.05.2011)
Fernando Antônio Gonçalves