JORNADA ÉPICA EM QUADRINHOS


Há muito tempo não compulsava uma revista em quadrinhos. Na juventude, Ginásio São Luís, Maristas, tinha folheado Carlos Zéfiro, quadrinhos em preto-e-branco que ampliavam imaginações e exercícios manuais às escondidas de pais e diretoria. Além de Mandrake, Roy Rogers e Cavaleiro Negro, para não falar do Pato Donald e do Mickey, ambos coloridos, que divertiam grandes e pequenos, de todos os gêneros.

Hoje, a simpatia pelas HQ’s é planetária, sendo consideradas excelentes facilitadoras de transmissão de conhecimentos, científicos e humanos, eruditos e populares. E pornográficos também. São de fácil acesso os hentais, quadrinhos que já existiam no Japão desde o Período Edo (1600-1870), versando sobre variados temas, inclusive sexo e nudez. As gravuras eróticas, conhecidas como shunga, eram oferecidas como presentes de casamento para servirem de inspiração na lua-de-mel. Com a chegada da cultura ocidental, com suas barreiras morais à nudez, o shunga entrou em declínio, muito embora a pornografia perdure sob formas não muito camufladas.

Os quadrinhos facilitam a assimilação de ideias, fortalecem apreensibilidades, disseminam criatividades e ensejam até compreensão de filosofias eruditas. E a editora Martins Fontes acaba de realizar gol de placa ao lançar para a comunidade lusófona o livro em quadrinhos Logicomix – Uma jornada épica em busca da verdade, de Apostolos Doxiadis e Christos Papamitriou, um romance histórico e uma introdução bastante acessível às ideias mais divulgadas da Matemática e da Filosofia, vivenciadas por Bertrand Russell, um obcecado pela busca da verdade.

Diz a orelha do livro: “Investigativo e engenhosamente organizado, o livro lança luz sobre os conflitos íntimos de Russell e os coloca no contexto das perguntas atemporais que ele passou sua vida inteira tentando responder. Logicomix é, no fundo, uma história sobre o conflito entre uma racionalidade ideal e o tecido invariável e imperfeito da realidade”.

Encomendei o livro, não me arrependendo até hoje, a partir de comentários sedutores: “A Matemática nunca foi tão empolgante” … “Além de biografia de Bertrand Russell, é um vibrante romance histórico” … “Um livro sobre ideias, paixões, loucuras. Mostra a vida de grandes matemáticos – Russell, Whitehead, Frege, Cantor, Hilbert – no momento em que tentavam tornar exatos, coerentes e definitivos os fundamentos da Matemática” … “Incrivelmente original, é um encontro rico e fascinante com mitos, Matemática, teatro e os grandes nomes da Filosofia do século XX” … “A melhor história em quadrinhos que já li e a mais inusitada” … “Sem dúvida uma das mais marcantes combinações de arte pop e história que encontrei tanto em prosa como em quadrinhos”.

Os dois autores – Apostolos Doxiadis, australiano, pioneiro no estudo da interação entre Matemática e narrativa ficcional, e Christos Papadimitriou, grego, professor de Berkeley, Califórnia, sendo um emérito pesquisador sobre complexidade computacional e teoria algorítmica – apresentam, ao final do livro, um anexo, onde explicam as diretrizes adotadas, os detalhes factuais e as “envolvências criativas” utilizadas, sempre ressaltando que “a não ser a simplificação necessária para a criação de uma narrativa como esta, não tomamos nenhuma liberdade em relação ao conteúdo da grande aventura do personagem que compõe o nosso enredo, nem em relação a seus conceitos nem – e principalmente – em relação às dificuldades existenciais e emocionais inerentes a ela”. Além disso, são acrescentadas notas, que embora desnecessárias para o entendimento do livro, podem ser de muita utilidade para os interessados sobre fatos e feitos, pesquisas e pessoas.

Um excelente manual para universitários de Iniciação Científica, que buscam ir além das quatro operações aritméticas e sair da Caverna de Platão, desejosos de fazer a história dos amanhãs brasileiros.

(Jornal do Commercio, 11.08.2010)
Fernando Antônio Gonçalves