JOÃO DA SERRA


Peço aos amigos leitores licença para contar uma historinha muito real, acontecida pelos idos de 1980, quando eu integrava o quadro de associados do Rotary Boa Vista e desloquei uma retina, indo bater com uns poucos trocados no Instituto Hilton Rocha, em Belo Horizonte, de onde retornei com a visão integralmente recuperada.
Na tarde seguinte da minha chegada em BH, quando ainda efetivava os exames recomendados pelo oftalmologista Saulo Gorenstein, recebi uma visita que se identificou como representante regional do Grupo Bompreço, já em franca prosperidade e sob o comando seguro do João Carlos Paes Mendonça. Indagado sobre a razão da visita, a explicação me sensibilizou: “O Dr. João Carlos me enviou aqui para ver como estava o senhor. Ele mandou dizer que a conta bancária do grupo, aqui em Belo Horizonte, se encontra à sua disposição, sem qualquer restrição”.
Por que somente agora a revelação pública daquele gesto de solidariedade amiga? Porque é chegada a hora de reverenciar um empreendedor de alto calibre, que agora parte para outras conquistas. E que cultivou amigos que nem eu, de conta corrente microscópica. E que sempre foi independente, cônscio dos direitos e deveres de uma sociedade onde o ideal de uma convialidade cidadã deveria pouco se lixar para as diferenças sociais e econômico-financeiras.
O João Carlos Paes Mendonça sabe colher o que bem plantou, décadas passadas, quando, acompanhado dos manos Zé Américo, Reginaldo e Eduardo, seguiu com muita dignidade empresarial os passos do seu querido Pedro Paes Mendonça, timoneiro primeiro de uma nau capitânea desbravadora, que muito se orgulha de ser nordestina.
Costumo com freqüência afirmar que “quem planta, colhe”, um ditado popular antigo, de plena validade para todos. E o João Carlos colhe, hoje, os frutos das boas sementes plantadas, sempre orgulhoso do seu roteiro empresarial, iniciado quando ajudava o pai a entregar as encomendas, na Serra do Machado, encarapitado no lombo de um jumento, quando as distâncias assim exigiam.
Abraço-o, João Carlos, com um orgulho arretado de também ser nordestino. Sua caminhada empreendedora comprovou que o Nordeste é viável, economicamente rentável, continuando implacável com os dinossáuricos que imaginam que a mutabilidade no mundo dos negócios é conversa pra boi dormir, a enfiar a cabeça por entre umas pernas que nada contêm, tornando-se as primeiras vítimas dos seus próprios desempenhos.
Confesso que jamais esquecerei a visita realizada à sua querida Serra do Machado, onde você aprendeu as primeiras lições de criatividade mercadológica, nunca se descuidando de uma amorosa fidelidade ao seu torrão natal, dele se integrando muito além da apenas ajuda pecuniária, favorecendo pessoas, ensinando a pescar, presenteando com um final de vida confortável, no Lar Dona Conceição, homens e mulheres que jamais tiveram nada, somente crescente abandono com o passar dos anos.
Disse certa feita que o João Carlos já tinha lido a frase escrita pelo poeta Fernando Pessoa, minutos antes da sua eternização: “Eu não sei o que me reserva o amanhã”. Continuo ignorando os amanhãs do João, embora esteja convencido de que para ele estão reservados inúmeros novos desafios, superáveis todos pelo seu talento inovador.
Sempre em frente, João da Serra!! De uma Serra do Machado hoje humanizada, tornada por suas mãos bem mais próxima do Criador.