JESUS SIM, IGREJAS NÃO
As estatísticas cristãs estão revelando um êxodo gigante de fiéis em todas as denominações e, paralelamente, uma cada vez mais crescente admiração pelos ensinamentos de Jesus de Nazaré. As novas gerações estão imensamente receptivas à mensagem do Homão da Galileia, embora nem um pouco interessadas nas igrejas crescentemente desespiritualizadas, onde padres e pastores buscam sobreviver através de ilusionismos engana-bestas ou mil e uma ameaças sobre as profundezas do inferno, satanizando incautos e abilolados, incultos radicais dos versos e reversos civilizatórios, que nunca se imaginam filhos amados da Criação, jamais sentindo-se atores e co-autores de uma história evolucionária, iniciada há centenas de milhares de anos nas planícies da África Oriental.
A verdade, nua e crua, salta aos olhos dos mais antenados: as gerações novas são possuidoras de uma mentalidade mais criticamente espiritualizada, aberta ás evoluções científicas, mais atenta às mensagens do Nazareno, um profeta que não tinha a mínima preocupação com frequência às instituições religiosas da sua época, preocupado apenas em disseminar boas novas evolucionárias, que o fizeram altamente subversivo aos olhos dos detentores dos poderes dominantes de então, inclusive religiosos.
Outro dia, num papo acontecido no alpendre da residência de uma aplaudida liderança católica romana recifense, o assunto principal foi como revitalizar os cultos com mais pensação, favorecendo uma maior aproximação com o Criador através dos ensinamentos do Nazareno, sem menosprezar, sob hipótese alguma, os integrantes das outras denominações religiosas, agnósticos e ateus, todos também amados companheiros de caminhada, muitos deles excepcionais cumpridores dos balizamentos cristãos. E logo as atenções se voltaram para os jovens de 20 a 35 anos, cabeças feitas, recém profissionalizados, que se tornam amplamente desiludidos com as “babaquices devocionais” e as tremilicações fingidas para hipócritas aparecências diante das assembleias.
Algumas opiniões foram revividas, um dos presentes recordando o Mahatma Gandhi: “Gosto de Cristo. Não gosto dos cristãos. Os cristãos se parecem muito pouco com Cristo”. Embalado pela abertura dos testemunhos, uma jovem senhora não titubeou: “Ficamos satisfeitos de viver em nossa diminuta subcultura cristã como cidadãos da bolha, mas nem chegamos a ter consciência disso porque todos os que frequentam nosso círculo social também vivem na bolha. Nada queremos com aqueles que não estão seguindo Cristo como nós. E quase ficamos possuidores de um imenso deleite íntimo ao pensar que um dia Deus punirá todos os pecadores que se encontram fora da bolha”. Foi então que um dos presentes, estudioso e ex-sacerdote, apontou as seis percepções que afetam atualmente as denominações religiosas cristãs de uma maneira quase generalizada: a. a igreja é uma religião organizada com interesses políticos próprios; b. a igreja é intolerante e negativista; c. a igreja é dominada pelos homens e oprime as mulheres; d. a igreja afirma com arrogância que todas as demais religiões estão erradas; e. a igreja é homofóbica; f. a igreja está cheia de fundamentalistas que levam a Bíblia ao pé da letra, nunca atentando para suas diretrizes libertadoras.
Depois do lanche, biscoitos, sucos e guaranás, chegou a vez de relatar alguns testemunhos coletados sobre o assunto. E dos que mais sensibilizaram os presentes, dois aqui são reproduzidos. O primeiro, foi extraído de um livro de editora cristã: “Os historiadores da religião dizem que o cristianismo nasceu no Oriente Médio como religião, mudou-se para a Grécia e tornou-se filosofia, transferiu-se para Roma e virou sistema jurídico, espalhou-se por toda a Europa na forma de cultura e, quando migrou para as Américas, transformou-se num grande negócio”. O segundo veio de um universitário de Medicina paranaense, quase concluinte: “Não sei por que, quando vou para a igreja, as pessoas têm de ficar o tempo todo dizendo “levante-se agora”, “sente-se agora”, “feche os olhos”, “baixe a cabeça”. Parece que sou um aluno da pré-escola brincando de siga-o-mestre, com o reverendo me dizendo o que fazer num programa enlatado e pré-programado”.
O anfitrião, homem de cultura sólida, chamou a atenção de todos para o I Congresso Internacional em Ciências da Religião acontecido em setembro de 2007, na Universidade Católica de Goiás. Que resultou no livro O Futuro da Religião na Sociedade Global, editora Paulinas. Nele são analisadas as interpenetrações religiosas, as proximidades das fronteiras simbólicas, a hibridização das práticas religiosas, a midiatização do religioso e a espiritualidade sem religião. Um livro que descortina horizontes estratégicos. E que nos remete a uma reflexão de José Saramago, esse notável lusitano Prêmio Nobel: “Destinamos tempo demais a conjecturar o que há além da vida, e tempo de menos a nos indagar sobre o que está acontecendo na vida mesma”.
No fim do encontro, um senhor careca e de cabeça branca reproduziu a oração de Dona Lulu, uma negra octogenária, pobre, analfabeta e ex-prostituta, que já se encontra nos braços de Jesus, que todas as noites assim se relacionava com o Homão: “Senhor, clareia minha cabeça para que eu possa entende os teus Sinais”. Uma Lulu muito mais próxima de Jesus que muitos metidos a sósias proxenetas de Deus.
(Publicada em 26/12/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves