INVEJA, VIRUS LETAL
Indo ao aeroporto, ouvi um carregador dizer para o outro: – Zé, visse o cara paulista que ganhou sozinho, ontem, na mega-sena? A resposta me entristeceu: – Tomara que ele se dane!!! Ratifiquei ali uma opinião de Oliveira Lima: – Quando Deus espalhou os pecados pelo mundo, pôs a inveja no Recife.
Uma leitura saborosa me fez entender mais um dos pecados capitais mais letais, tido e havido como o que mais influenciou as transformações planetárias. De título Inveja: como ela mudou a história do mundo, volume 2 de uma série coordenada pelo jornalista Alexandre Carvalho, editada pela editora Leya, São Paulo, 2015, ele relata podridões e grandezas, ajudando a formar o caráter brasileiro, oferecendo razões múltiplas para a opinião do historiador Oliveira Lima.
Na Introdução, um esclarecimento fatídico, de autoria do cronista francês do século XVII François de la Rochefoucauld: “A nossa inveja dura sempre mais tempo que a felicidade daqueles que invejamos”. E também traz uma comprovação feita pelo japonês Instituto Nacional de Ciência Radiológica: “sentir inveja pode ser tão doloroso quanto levar socos de verdade”. E o organizador da coletânea, Alexandre Carvalho, define com maestria a inveja: “um sentimento ruim provocado pela quebra da imagem positiva que cada um tem de si mesmo”.
Mais uma advertência o Carvalho ressalta: não se deve jogar pedra na inveja, posto que, segundo os psicólogos evolucionistas David M. Buss e Sarah E. Hill, ela pode catapultar aprimoramentos sobre os antepassados, fazendo-nos pensar melhor e mais sofisticadamente. Embora a quase totalidade dos invejosos seja composta de personalidades doentias, mal amadas e mal comidas, que se imaginam um zero à esquerda. .
O livro traz relatos notáveis, o primeiro deles tendo vitimado o Sócrates (- 469 a.C./-399 a.C.), obrigado a se eternizar tomando cicuta, apenas por ter habilidade de fazer seguidores e influenciar pessoas. Até hoje considerado “o Jesus do pensamento filosófico”. Ambos traídos pelas próprias características libertadoras. Com uma desvantagem, o Sócrates grego tinha pernas finas e tortas, era barrigudo, nariz grande e achatado, não queria saber de trocar de roupa e não apreciava um bom banho.
O livro é danado de bom. Cita até Freud, que jamais ganhou o Nobel de Medicina, apesar de ser indicado 32 vezes. Para não falar da inveja econômica da comunidade judaica na Alemanha, também responsável pela maior barbárie de todos os tempos.
Recentemente, no Brasil, um corredor outrora famoso resolveu jogar pedra no imortal Ayrton Senna, inspirador de um instituto para assuntos educacionais, fundado por uma irmã sua. Senti compaixão do hoje cachorro morto, relembrando Tom Jobim: “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”. Um fenômeno musical que foi chamado de “vendido” por ter permitido que a Coca-Cola usasse “Águas de Março” em seus comerciais.
Os invejosos são incontáveis, inclusive recifenses.
(Publicado em 05.09.2015, no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves