INFÂNCIA ROUBADA


Preocupa amplamente a posição da atual classe média brasileira, que será decisiva para os destinos nacionais, às vésperas de novos cenários pós-eleitorais. Lamentavelmente, nos últimos vinte anos, ela tem estado acorrentada a três visões estupidamente equivocadas. A primeira, quando defende os imensos privilégios de um sofisticadíssimo consumo, como se ele fosse viável para o todo nacional. A segunda, mais ingênua ainda, é a de exigir sacrifício dos privilegiados de sempre, como se eles estivessem dispostos a desprendimentos. E a terceira, a mais preocupante de todas, quando não se apercebe, idioticamente se postando, das novas malandragens da publicidade, nos diferenciados meios de comunicação, dirigidas às crianças, que acreditam facilmente em tudo que veem e ouvem. A indústria do consumo com fabulosos lucros, enquanto às famílias cabe a convivência de consequências pouco prazerosas, como a vitimização das crianças através da obesidade, erotização sexista, gravidez precoce, violência e marginalização, diminuição da criatividade, fomentadoras de um estresse familiar que poderia ser preventivamente evitado.

Segundo a jornalista Paula Salati, do periódico Caros Amigos, “mensagens publicitárias sedutoras, coloridas e que remetem a sensações prazerosas, chegam de todos os lados, diariamente, através da TV, internet, publicações impressas, filmes, etc. Elas prometem uma vida feliz e cheia de emoções. Mas, desde que você possua o que está sendo vendido.”

Os dados são podem ser colocados embaixo dos tapetes pelas famílias mais conscientes. Um monitoramento efetuado pelo Instituto Alana, de São Paulo, explicitado no documento “Por que a publicidade faz mal para as crianças”, ressalta que, em 2010, durante o dia das crianças e nos programas infantis, foram exibidas 1.077 propagandas entre 8 e 18 horas, nos canais abertos de televisão e em mais cinco canais infantis na TV fechada. E com um fator mais preocupantes: as crianças brasileiras são as que mais assistem TV no mundo, em média 5 horas e 4 minutos diários, segundo dados do Ibope/2010.

As denúncias que estão chegando ao Ministério Público também mostram que as estratégias de marketing se encontram cada vez mais eficazes, onde até janelas de jogos infantis se abrem automaticamente anunciando produtos, provocando o chamado estímulo distrator, interferindo nas atividades lúdicas das crianças, posto que, até fecharem as janelas, elas já terão captados a mensagem publicitária. Um determinado canal fechado, o Cartoon Network, chegou a veicular um anúncio a cada dois minutos.

Ainda conforme a jornalista Salati, um outro espaço explorado atualmente pela publicidade é a escola, tanto pública quanto particular. A reflexão é oportuna: “É algo muito grave. … Isso mostra a agressividade do mercado. E como os diretores das escolas estão permitindo isso? Não sabemos se há uma troca financeira”. Um só exemplo: o desenho animado A Galinha Pintadinha ensina as crianças a lavarem as mãos, no final anunciando os produtos Lifebuoy, induzindo nas crianças a sensação de que somente aquele produto as protegerão dos germes e bactérias.

As posturas publicitárias indutivas que utilizam os pequeninos em promotores de venda dos produtos destinados aos adultos são por demais inquietantes no momento atual , onde um desabestalhamento se faz necessário em todos os setores, num Brasil que se deseja passado a limpo com todos os erres e effes por detrás das grades , sem lero-lero nem mas-mas-mas.

Para os educadores, diretores de escola e Ministério Público das áreas da Criança e Adolescente, a leitura do livro Crianças do Consumo – A Infância Roubada, da psiquiatra Susan Linn, da Escola Médica de Harvard e co-fundadora da Coalizão pelo Fim da Exploração Comercial Infantil, é leitura indispensável para quem deseja melhor identificar as corporações que estão buscando conquistar cada vez mais espaços no grupo consumidor conhecido no passado como “crianças”, seduzindo-o com mensagens comerciais cada vez mais apelativas e irresistíveis.

Na orelha do livro em apreço, o alerta que se faz necessário às vésperas do Dia das Crianças: “As crianças são a bola da vez do marketing, alvos de tudo, desde brinquedos até a indústria de fast-food. Todos os aspectos da vida das crianças – saúde, instrução, criatividade e valores – estão correndo o risco de serem comprometidos pelo seu status no mercado consumidor”.

Uma advertência para os do “livre-mercado”: “fazer publicidade para crianças não é um direito inalienável de ninguém”. Porque as ovelhas não devem ter o direito de serem presas pelos lobos…

PS Vivamos o Dia da Criança com mais Cidadania Libertadora!

(Publicada em 08.10.2012, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves