INCOMPETÊNCIA CUMULATIVA


De algum tempo para cá, ando com uma desacreditação crescente na política educacional do Governo Federal. E credito a desilusão a uma incompetência cumulativa produzida pelo MEC na operacionalização do ENEM, também conhecido jocosamente por Educação Nacional de Estruturação Medíocre. Que está a vitimar centenas de milhares de jovens que buscam ingressar num ensino superior minimamente sério, afastando-se das arapucas que pululam por este Brasil afora, engabelando inúmeros sem um padre-nosso de penitência.

Para os leitores mais desatentos, registro os passos desastrosos do MEC em relação ao ENEM: 2009 – MEC reduz prazo entre entrega das propostas das empresas na licitação e a data de efetivação da prova. CESPE e CESGRANRIO, duas instituições conceituadas na área de exames vestibulares, abandonam a concorrência; 2009 Setembro – Alunos são convocados para fazer o ENEM em locais até 30 quilômetros distanciados das suas residências; 2009 Outubro – Provas impressas são furtadas e o exame é adiado, a USP e a PUC-SP desistindo de usar o ENEM como parte de sua nota de aprovação; 2009 Dezembro – Nos dias 5 e 6, o exame é realizado, provocando uma abstenção de mais de 40%, um recorde; 2010 Janeiro – Após a realização da prova, o INEP divulga gabarito com respostas erradas, uma auditoria interna ainda apontando que o próprio INEP pagou R$ 8 milhões a mais ao consórcio que fez a prova cancelada, quantia até agora não devolvida aos cofres públicos. Para completar a atual situação caótica, o SISU, o Sistema de Inscrição para as instituições de ensino federais, travou no primeiro dia, deixando milhares de alunos sem as suas respectivas inscrições.

Dois testemunhos que ratificam incompetências e bajulações: “Por conta dos problemas do ENEM, tivemos que arcar com questões que não eram inerentes ao nosso trabalho. E viramos o interlocutor do aluno para questões que deveriam ser respondidas pelo INEP” (José Margarida da Silva, Coordenador de Processos Seletivos da Universidade Federal de Ouro Preto); e “Em reuniões com o MEC, não houve um único reitor que se manifestasse contra o uso do SISU (vestibular via ENEM)” (Malvina Tuttman, reitora da UNIRIO). Testemunhos que bem demonstram o tirar-da-reta do INEP e o sim-senhor dos reitores, lamentavelmente sempre lagartixosos, sempre balançando afirmativamente a cabeça, muitos até asininamente distanciados de uma criticidade construtiva que deveria ser a razão primeira das funções reitorais por eles exercidas.

Diante da desistência do MEC em efetivar um ENEM no meio do ano, seguramente porque quase todo mundo estará de olho nas eleições de outubro, o ministro Fernando Haddad, sem atentar para o nível disleriado da sua opinião, sugeriu que as instituições federais chamassem os alunos que fizeram o ENEM no final de 2009. Em outras palavras: que se convocassem aqueles que foram reprovados naquele exame. E o nível de ingenuidade opinativa ministerial se agiganta um pouco mais quando se constata que perderão a oportunidade de disputar vaga no meio deste ano os alunos que não fizeram o ENEM do ano passado.

Muito oportuno seria o fortalecimento crítico do Conselho de Reitores das Universidades Federais Brasileiras. Na análise dos problemas que estão acachapando a imagem de todas elas, algumas já servindo de mofa de alunos e professores, por negligenciarem procedimentos salutares da Administração Pública, optando por posturas populistas que apenas consagram, fortalecendo, a imbecilidade e a demagogia burlesca.

Seria bom que os reitores, que deveriam iniciar uma Campanha de Abolição do pedante tratamento Magnífico, atentassem para uma opinião do notável Jessier Quirino, dada com muita propriedade: “Vejo, com muita tristeza, gerações inteiras perderem as boas referências e se embriagarem num mar de mediocridade”. Um consciente filho de Campina Grande conhecido no Brasil inteiro, que lançou recentemente o livro Berro Novo, ratificando seu impecável senso de nordestinidade.

Os reitores também ficariam bem menos submissos ao Poder se pudessem ler A Teologia de Rubem Alves, do teólogo mexicano Leopoldo Cervantes Ortiz. Para assimilarem uma sabedoria estratégica edulcorada de poesia, brincadeira e erotismo. Que favoreceria uma educação universitária libertadora, imbricando profissionalidade com culturalidade, que ampliariam os ânimos para um viver mais solidário, sem pieguismos, populismos e procrastinações burocráticas que empancam, quando não emasculam, a esperança de milhares de quase-adolescentes.

A pergunta final não posso deixar de fazer: será que os diversos segmentos da nossa vida política possuem um desejo único, o de jamais possibilitar o aprimoramento da criticidade da juventude brasileira, preferindo sufocá-la com eventos fingidamente modernizantes, para deixá-la ao bel prazer de despudorados políticos oligárquicos que desejam sempre continuar levando vantagem em tudo?

Portal da Revista ALGOMAIS, 15/03/2010, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves