IGREJAS EM DESCONSTRUÇÃO


Na semana que passou, de alto significado para as religiões monoteístas, recebo e-mail reservado de irmão caminheiro, comunicando o seu desligamento da instituição cristã onde desempenhava funções clericais. Ele se desvinculava em protesto pela ausência total de liderança pastoral e em resposta ao absolutismo de quem se portava com cinismo blasonador. Para não falar das pilantragens praticadas por sacripantas travestidos de clérigos e bispos, ilusionistas de primeira linha, exploradores da fé de ingênuos crentes que se imaginam com eles inscritos no paraíso celestial, sem mínima criticidade religiosa, cegos diante das rapinagens administrativo-financeiras praticadas pelos fingidamente probos.

No e-mail recebido, meu irmão evangélico protesta contra os autoritarismos dos que se auto-proclamam capatazes do Alto, sem um mínimo de ascendência acatada pela maioria, posto que chegados a nepotismos e conchamblanças com parentes e apaniguados. Na sua ex-denominação religiosa, autoridade passava ao largo, bem ao largo, transparência sendo assunto para boi dormir.

O irmão relembrou um pensar do saudoso jornalista Cláudio Abramo: “No fundo acho que está tudo errado. Perdemos os caminhos e as bússolas, nessa confusão conceitual em que nos mergulhamos. Sei que de todos os lados há erros, safadezas e injustiças, e até crimes, alguns horríveis. Mas existe uma espécie de solidariedade fraternal, a nível epidérmico, que nos faz sempre voltar os olhos para os mais desprotegidos e os mais desvalidos da terra. Não sei, exatamente, quanto se avançou nesse terreno, mas sei que algo deverá surgir de tudo isto, dessa gigantesca agonia de um mundo que está falido para que renasça um outro, em que as idéias e os conceitos sejam novos e duradouros”.

Numa época de tantas carências como a atual, onde se está vendendo uma bem embrulhada ilusão do sucesso para gregos e troianos, a denúncia do psicólogo Esdras Guerreiro, ex-docente-visitante do prestigiado Instituto Max-Planck, da Alemanha, atualmente na pósgraduação do Instituto de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo, se encaixa como uma luva: “As pessoas querem respostas imediatas para as suas aflições . É por isso que as seitas estão crescendo enquanto as religiões tradicionais estão perdendo fiéis. O fenômeno de crer num líder capaz de nos ensinar a remover os obstáculos para os nossos objetivos pessoais não é novo, mas se reforça nos momentos de crise”.

O pesquisador Jacob Neusner, o maior especialista em judaísmo dos Estados Unidos, em seu estudo Um Rabino Conversa com Jesus, resalta os princípios básicos de uma indispensável participação comunitária: 1. Não há uniformidade, mas variedade na unidade; 2. Quando alguém discorda, está completando; 3. Quem vai dialogar, deve ir com o sentimento de ser parcela; 4. Somente os utópicos são proféticos; 5. A Política é uma dimensão interior da própria Fé, explicitada sempre em proveito do comunitário. Na sua ex-denominação, segundo e-mail recebido, nada disso acontecia, sendo as decisões tomadas através de cavilosos interesses trocados entre as partes, umas parentais, outras oportunistas.

O desabafo do irmão decepcionado trouxe-me esperança. Ele soube absorver eficazmente o magistral balizamento de Bernard Shaw : “Alguns homens vêm as coisas como são e perguntam POR QUE ? Eu sonho com as coisas que nunca existiram e pergunto POR QUE NÃO?”

Deveria toda igreja estar sempre vigilante diante do notável provérbio iídiche: “Para o verme num rabanete, o mundo inteiro é um rabanete”. E refletir bem para o que disse o educador baiano Anísio Teixeira: “Eu não tenho responsabilidade nenhuma com as minhas idéias. Eu tenho, sim , uma responsabilidade com a verdade”. Quem tem esse grau de maturidade , sabe andar. Quem não tem, continua vendo apenas o rabanete, imaginando-se ridiculamente especialista nas Sagradas Escrituras e investido numa autoridade que não possui.

(Publicada em 09/04/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves