HUMANISTA LIBERTADOR


De pais prósperos até a Grande Depressão de 1929, quando a família passou necessidade, morando de favor em sítio de parente. Durante a Segunda Guerra Mundial, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde o pai se instalou com uma pequena transportadora, a existência de Rubem Alves tomando outros rumos, sempre marcado por um amor incondicional pela vida e pelo próximo.

Ainda pequeno, uma amiga da sua mãe levou o filho de seis anos para tocar piano na sua casa. E o menino chamava-se Nelson Freire, hoje um pianistas consagrado. Desistindo de ser também um pianista, Rubem Alves (1933-2014) achou que tinha vocação de pastor, salvador de almas, buscando apoio na Igreja Presbiteriana, deparando-se então com um mundo muito mais complexo, tudo espelhado no binômio religião X essência de Deus, este até então tido e havido como um ser supremo opressor, vingativo e cruel. Rejeitando essa imagem do Todo Poderoso, logo compreendeu que a felicidade terrena era muito mais importante que a incerteza do paraíso celeste. Foi reprimido e se revoltou contra a estrutura religiosa da denominação que frequentava.

Com o Golpe Militar de 1964, Rubem Alves logo foi denunciado por colegas pastores, ameaçado de ser preso e torturado. Exilado nos EEUU, conseguiu teorizar pela primeira vez sobre a Teologia da Libertação, abandonando a denominação religiosa e tornando-se professor universitário.

Com o nascimento da sua filha Raquel, que veio ao mundo com um problema congênito, Rubem Alves tornou-se escritor de histórias infantis para alegrar a filha, ao mesmo tempo cada vez mais respeitado como conferencista religioso, sempre aplaudido como educador e polemista.

Para quem desejar conhecer mais detalhes da caminhada existencial, profissional e política de Rubem Alves, um livro merece ser lido e rabiscado: É Uma Pena Não Viver: Uma Biografia de Rubem Alves, Gonçalo Junior, São Paulo, Planeta do Brasil, 2015, 496 p.

Rubem Alves foi um pensador que se dava ao direito de pensar por si mesmo, permanecendo um fora da lei em tempos de não-democracia. E que imaginava sempre a edificação de uma nova escola para refazer o mundo, tal e qual o mito da Fênix, destroçada pelo populismo anestésico, que renascia a partir de uma conscientização comunitária.

Numa das suas últimas entrevistas, parecia se despedir do mundo: “Já tive medo de morrer. Não tenho mais. A Morte é minha companheira. Sempre conversamos e aprendo muito com ela. Quem não se torna sábio ouvindo o que a Morte tem a dizer está condenado a ser tolo a vida inteira”.

Uma biografia que semeará certamente a emersão de novos humanistas num mundo altamente tecnologizado, carente de esperanças restauradoras e éticas partidárias. Também no Brasil, onde uma maioria individualista se porta com frágil cidadania, imaginando amanhãs desprovidos de princípios morais.

(Publicada em 31.10.2015, no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco
Fernando Antônio Gonçalves