HISTÓRIA ESCLARECIDA


Transcrevo abaixo, sem tirar uma vírgula, o que o Jornal da Cidade, veículo recifense da chamada imprensa alternativa, em 1975 publicou sobre o assassinato do padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, um dos auxiliares de Dom Hélder Câmara, então arcebispo metropolitano de Olinda e Recife:

“A corda aperta-lhe o pescoço e o homem dobra as pernas, semi-asfixiado e cai de joelhos. Uma pancada de faca ou canivete no rosto e o sangue escorre, grosso, molhando o dorso nu e as calças. Os vultos, ao seu redor, começam a se tornar ainda mais difusos e ele sente um impacto na face e, certamente, não sente o segundo, à queima-roupa, pouco acima da orelha. Dois tiros de mestre, convergindo para um só ponto do cérebro. O homem estende-se em meio à pequena clareira aberta no matagal e, nos últimos estertores da morte, agarra, com a mão direita, crispada, um tufo de capim. Passava da primeira hora da madrugada de 27 de maio de 1969 e não era chegada, ainda, a terceira hora. Os olhos do homem estavam abertos, como abertos e cheio de espanto estavam os olhos do vigia Sérgio Miranda da Silva, quando o encontrou, estirado no chão, às seis e meia da manhã. Antes das dez, o corpo estava identificado: era do padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, 28 anos de idade, visto com vida, pela última vez, por uma testemunha, quando era obrigado a entrar numa rural verde e branca. No final da tarde, a igreja do Espinheiro, no Recife, estava abarrotada de gente para assistir à missa de corpo presente, celebrada por 40 sacerdotes. Durante toda a noite houve vigília e, no dia seguinte, a pé, por mais de 15 quilômetros, uma multidão de 20 mil pessoas acompanhava o enterro até um cemitério próximo à Cidade Universitária, a mesma região onde aconteceu o crime.”

Recentemente, quando empossou a Comissão da Verdade em Brasília, a presidenta Dilma Rousseff declarou emocionada: “A ignorância sobre a história mantém mágoas”. Frase que deveria servir de mote balizador para aquela Comissão, bem como a do Estado de Pernambuco, integrada por desassombrados em comprometimentos sociais.

No mundo inteiro, verdades históricas continuam sendo restauradas. Em abril passado, a editora Companhia das Letras tornou público o romance-história HHhH, de Laurent Binet, que narra as atrocidades cometidas por Reinhardt Heydrich, misto de vice-rei e ditador, apelidado de Carrasco de Praga, com poderes absolutos de vida e morte sobre todos os tchecos, e seu justiçamento, em plena luz do dia, numa praça pública de Praga, meio de 1942

Para os desmemoriados de sempre, algumas informações: Reinhard Tristan Eugen Heydrich nasceu em Praga, março de 1904. Devasso, foi expulso da Marinha, iniciando posteriormente suas ligações com os SS nazis. Trabalhando à sombra de Heinrich Himmler, logo se destacou pela obsessão por denúncias reais e fictícias, com testemunhas afirmando posteriormentem que em seu cofre particular ele guardava documentos que comprometeriam até o próprio Hitler, o assasino-chefe de todos os nazistas da época. Na Tchecoslováquia, Heydrich promoveu assasinatos, prisões e torturas, tornando-o a figura mais odiada pelos tchecos, logo justiçado pelos militantes tchecos Jan Kubis e Josef Gabcik, aproveitando a arrogância de Heydrich que insistia em se deslocar pelas ruas de Praga em carro aberto. No seu funeral, Hitler assim se pronunciou: “Ele foi um dos maiores nazis, um homem com coração de ferro, um dos mais implacáveis inimigos daqueles que se opõem a este Reich”.
A binoculização dos amanhãs brasileiros, a partir dos ontens esclarecidos, deverá muito favorecer a ampliação da cidadania pernambucana. Que certamente muito se diferenciará das ações recheadas de baboseiras e de puxasaquismos, que prestam gigantescos desserviços aos futuros estaduais e pátrios.

(Publicada em 18/06/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves