HISTÓRIA DE UMA IDEIA


Para se ter uma noção mais concreta sobre as últimas manifestações brasileiras, quando multidões saíram às ruas das principais capitais do país para exigir menos corrupção e mais seriedade no uso das verbas públicas, inclusive por um Congresso Nacional que deveria se comportar com mais dignidade legislativa, a leitura de um livro editado primorosamente pelo SESC-SP mereceria atenção toda especial. De título Utopia – a História de uma Ideia, seu autor Gregory Claeys, professor de História do Pensamento Político na Universidade de Londres, capta as aspirações por um mundo melhor explicitadas ao longo da História por filósofos, poetas, reformadores sociais, urbanistas e artistas

Quando se fala em utopia, logo ela é relacionada com a figura de Thomas More (1477-1553), acadêmico e humanista da Renascença inglesa, uma das principais lideranças políticas da sua época, referência fundamental para a história do pensamento utópico. Estudioso de línguas clássicas, passou dois anos como pretendente ao sacerdócio entre os franciscanos. O seu livro Utopia, fruto de conversas mantidas com Peter Giles, amigo de Erasmo, é uma crítica à crescente opressão sofrida pelos pobres. Tornando-se próximo do rei Henrique VIII, com este rompeu diante do divórcio deste com Catarina de Aragão, tendo sido julgado por traição e decapitado em 6 de julho de 1535.

A trajetória do pensamento utópico contempla três fases de desenvolvimento: a mítica, a religiosa e a positivista. E o seu estudo foca três domínios: o pensamento utópico propriamente dito, a limitada literatura sobre o assunto e as tentativas práticas de encontrar ambientes comunitários desenvolvidas pelo ideal.

A sociedade brasileira, nas últimas manifestações da sua juventude, busca alertar para novos tempos de um novo contexto social, onde a Cidadania extrapola os redutos legislativos, executivos e judiciários, respaldada numa indignação emergida das redes sociais, ampliando a capacidade de enxergar melhor os acontecimentos históricos passados, não mais aceitando as “casualidades”, buscando as “causalidades”, estabelecendo novas tabelas mentais para uma contemporaneidade que bem está a efetivar a “aldeia global” de Marshall Mcluhan, todos usuários de uma estupenda biblioteca de Babel, por meio do Google, da Wikipédia, do Facebook, do YouTube e do Epicurious, também agindo como bibliotecários, onde tudo está perto e paradoxalmente longe, embora o agrupamento para reinvidicar possa acontecer em poucos instantes, através de sensibilizações indutoras convocativas.

A nação está exigindo novas estruturas político-administrativas para novos tempos de reconstução. Que os mais antenados percebam a bússola dos amanhãs e os salafrários e ineptos se precavenham diante das pororocas sociais que exigem respeito diante das suas utopias nem sempre devidamente compreendidas pelos mais velhos.

No Brasil, misturar desinformação, intolerância, cinismo postergatório, corrupção, mais-valia asfixiante e incompetência administrativa é favorecer indignações das espécies mais esdrúxulas. Um livrinho notável chamado Mudança, de Mo Yan, recentemente lançado no Brasil pela editora Cosac Naify, poderá melhor fazer compreender o significado do verbo sonhar para uma juventude que apenas não pretende mais ter vergonha de um país de tantos descalabros civis.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 06.09.2013
Fernando Antônio Gonçalves