HISTÓRIA ACONTECIDA


Os fatos se verificaram em 1932, num hotel perto dos Champs-Elysées, quando investigadores franceses “visitaram” o estabelecimento, diante de uma denúncia de sonegação fiscal. Um programa de austeridade estava em vigor, posto que o crash de Wall Street tinha abalado fortemente a economia mundial.

Num dos quartos do hotel, os detetives detiveram o presidente e o vice-presidente do Banco Comercial da Basileia, com uma lista de 2 mil clientes franceses que haviam remetido ilegalmente dinheiro para a Suíça. E a tática não era segredo para ninguém, como até hoje: a fronteira perto de Genebra era guardada apenas por um posto alfandegário em Ferney-Voltaire, onde a fiscalização era muito tímida, posto que o contrário seria demais para os negócios bancários do país. E pela fronteira, dinheiro, joias e até esculturas raras adquiriam nova nacionalidade.

A lista era bem representativa. Foi então que um deputado socialista, que tinha excelentes contatos nas áreas fiscais e alfandegária, leu toda a lista no plenário da assembleia, calculando que a França perdera pelo menos 9 milhões de francos somente em impostos.

Uma agitação tomou conta da área política. Um lado exigindo que todos os franceses declarassem seus bens, o outro justificando mil e uma tramoias, revelando que os deputados da Câmara pagavam impostos sobre metade das suas rendas.

Do outro lado da fronteira, os suíços acreditavam que os bancos possuíam direitos divinos a cumprir, o céu acenando com a bolsa cheia, os bancários tendo deveres a realizar, a conta bancária sendo tão sagrada quanto o estado d’alma. Apelando para a Corte Federal, os bancos suíços foram gentilmente contemplados com a decisão de que seus clientes tinham o dever de manter seus arquivos sob segredo absoluto. Para assegurarem mais seus estabelecimentos, com suas respectivas contas, os suíços promulgaram uma nova lei: o artigo 47b da lei bancária suíça de 1933 introduziu o conceito de sigilo bancário, possibilitando que todos os interessados, também “inimigos de Estados”, escondessem seus dinheiros e outros bens.

Depois da Primeira Guerra Mundial, contudo, milhões de europeus enfrentaram dificuldades financeiras, diante da brutal desvalorização da moeda, o schilling austríaco, por exemplo, chegando a perder 95% do seu valor.

O fato acima resumido encontra-se mais detalhado no livro A Fuga de Freud, de David Cohen, Record, onde o próprio Sigmund tinha também suas contas secretas, com conhecimento pleno dos seus filhos, principalmente Martin, que se formara em advocacia.

A pesquisa do Cohen analisa como o pai da Psicanálise fugiu para Londres, com passagem por Paris. Stefan Zweig escreveu a Freud: “Mas o que quer que tenha sido perdido, o que quer que tenha de ser reconstruído, o principal é que saiu e pode olhar as ruínas fumegantes que ficaram para trás com os que fugiram de Sodoma”.

Quantas contas brasileiras existirão na Suíça, hoje?

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 11.07.2014)
Fernando Antônio Gonçalves