GUIA PARA PERPLEXOS
Do amigo Gilbraz Aragão, um dos talentos docentes da Universidade Católica de Pernambuco, recebi a indicação de um livro de teólogo italiano, pai de dois filhos, atualmente lecionando na Faculdade de Filosofia da Universidade San Raffaele de Milão, que tem chamado a atenção dos mais amadurecidos pelo seu estilo expositivo claro e bem documentado. Editado em 2014, pela Paulinas, Eu e Deus: um guia para perplexos, de Vito Mancuso, parece um livro que nasce da consciência da gravidade do momento atual, que está a exigir a refundação do pensamento de Deus, entendido como verdade da vida e do mundo.
Segundo Mancuso, “por séculos no Ocidente, a fundação do pensamento de Deus foi realizada a partir da Igreja mais a Bíblia, no vetor católico, no caso protestante a partir da Bíblia mais Igreja”. Segundo ele, entretanto, o seu texto pretende seguir um caminho diferente: pretende falar de Deus a partir do Eu, pretendendo efetivá-lo fora dos muros institucionais, usufruindo o ar livre da liberdade de pensamento, na convicção de Nietzsche segundo a qual “só os pensamentos que surgem em movimento têm valor”. Um texto que faz a mente contemporânea pensar conjuntamente Deus e o mundo, num denso mistério geracional da vida, da inteligência, do bem e do amor. Fortalecendo uma serenidade interior que favorece desenvolver o bom combate, preservando a fé e a missão que nos foi concedida pela Criação.
O livro do Mancuso está estruturado em dez capítulos. Nos três primeiros, explicita a fenomenologia da situação atual e seus conceitos especulativos. Os capítulos 6-8 oferecem uma análise crítica ou pars destruens, que remove preconceitos e erros. E os 4-5 e 9-10 explicitam um enfoque pessoal ou pars construens, que proporciona conhecimento e verdade.
Logo no primeiro capítulo do livro – Perplexidade -, como que fincando os alicerces argumentativos do seu texto, Mancuso cita um trecho das últimas vontades de Norberto Bobbio, publicadas no dia seguinte da sua morte, ocorrida a 9 de janeiro de 2004, no jornal La Stampa: “Não me considero nem ateu nem agnóstico. Como homem de razão, não de fé, sei que estou imerso no mistério que a razão não consegue penetrar até o fundo, e as várias religiões interpretam de vários modos”. E cita Maimônides, autor do Guia dos Perplexos, 1180-1190: “Quanto à presente obra, dirijo-me com ela a quem praticou a filosofia e conhece verdadeiramente as ciências, mas crê também na Lei e está perplexo diante dos seus significados”. Uma perplexidade que atualmente invade a consciência de inúmeros.
O livro nada tem a ver com puerilidades dos adultos. Destina-se aos que paulinamente não renunciam ao exercício da razão quando postos a avaliar as faces da Criação, inclusive as questões morais e filosóficas que se imiscuem nas evoluções mentais.
(Publicado em 18.04.2015, no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves