GIGANTE DE PÉS DE BARRO


Por que será que a maioria da estudantada brasileira se encontra de calças arriadas, sem lenço nem documento, com nada de novo nas mãos, passivamente contemplando os descompassos que acontecem nos diferentes níveis educacionais, públicos e privados? Será que as migalhas proporcionadas nos últimos tempos anestesiaram os outrora combativos militantes discentes, defensores da redemocratização brasileira, reanimadores do civismo pátrio, portadores de esperanças mil e ideários dignificadores? Ou será que a maioria está se postando como aquele sindicalista de universidade federal que, avacalhadamente, se conduziu contrariamente ao que tinha sido decidido pelos professores?

Recentemente, no Chile aconteceram manifestações por reforma educacional, uma das reivindicações sendo a que postulava a inserção na Constituição: que a qualidade da educação seja um direito garantido pelo Estado. E lá, o IDH é o maior da América Latina, mais de 90% dos jovens chilenos têm ensino médio completo e mais de 50% de sua juventude se encontra matriculada no ensino superior. E a jornada da educação fundamental é de sete horas diárias, os professores trabalhando em uma única escola.

Contrariamente, no Brasil, com um PNE longe de ser aprovado por um Congresso desacreditado, com uma maioria apenas preocupada na absolvição de colega bandida, a estudantada se aquieta, como se estivesse navegando num mar de águas cristalinas, sem qualquer turbulência futura, sob as bênçãos de uma elite financeira que apenas deseja levar vantagem em tudo, sem preocupação com a melhoria da nossa qualidade do ensino. Onde também, denuncia Tony Judt em seu último livro O Mal Ronda a Terra, “a esquerda necessita definir seu discurso”, abandonando posturas incapazes de posicionamentos situados muito além das verborragias que somente iludem os abestados de sempre. E as redefinições da esquerda política devem levar em consideração os seguintes pontos: redistribuição de renda, reforma agrária, corrupção descarada, privilégios distribuídos, código florestal, universalização consistente do Ensino Básico, erradicação do imposto sindical compulsório e fortalecimento da agricultura familiar. Além de observância rigorosa sobre as transações financeiras que estão em muito sobrepujando a produção de mercadorias e serviços, atentando-se sempre para com as consequências do desleixo público.

A reflexão de Edgar Morin ajuda a ressaltar a diferença entre esquerdistas (poucos) e esquerdeiros (inúmeros) proclamada por Guerreiro Ramos: “Sou um direitista de esquerda: direitista porque tenho um senso muito aguçado do respeito às liberdades, mas ao mesmo tempo esquerdista no sentido de que tenho a convicção que nossa sociedade requer transformações profundas e radicais. Tornei-me um conservador revolucionário. É preciso revolucionar tudo, mas conservando os tesouros da nossa cultura”.

Morin, enfim, alerta em seu último livro – A Minha Esquerda, Sulina, 2011 -, que “o capitalismo da era da globalização está desenfreado”, e que tudo necessita ser repensado. Para que o progresso não venha a acarretar fatídicos subdesenvolvimentos espirituais e morais, rumo a abismos irreversíveis.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 05.10.2011)
Fernando Antônio Gonçalves