GERADORES DE OPINIÕES


Pode parecer até uma ousadia egolátrica para alguns menos antenados a afirmação de Thomas Sowell, professor de Economia em Cornell, EEUU, também pesquisador do Instituto Hoover, da Universidade de Stanford, ainda autor de uma coluna independente, publicada em vários periódicos acadêmicos e de mídias mais populares, quando ele diz, num prefácio de um dos seus livros mais recentes, que “nunca houve outro período na história no qual os intelectuais tenham desempenhado um papel tão extenso na sociedade”. Seu livro Os Intelectuais e a Sociedade (SP, É Realizações, 2015), publicado no Brasil em julho passado, deveria ser mote para debates nas áreas mais diferenciadas, acadêmicas, midiáticas, sindicais, políticas, religiosas e comunitárias, favorecendo a desconstrução da imagem de intelectual criada por deformações múltiplas ou vaidades dos próprios “divinos”, definida como uma pessoa dotada de QI elevado, cultura sólida e distanciamento proposital dos setores não acadêmicos ou populares, frequentemente contempladores dos próprios umbigos. A desfavorecer o fortalecimento de conceito mais solidário com os menos favorecidos, qual seja o de uma pessoa que usa o seu intelecto para estudar, refletir ou especular acerca de ideias e proposições de relevância social e coletiva. Comprometidamente com a dignidade humana.

Contemporaneamente, a definição do intelectual é geralmente construída pelos próprios intelectuais e segundo suas respectivas concepções, o que resulta em várias abordagens e definições do termo. Autores como Norberto Bobbio e Bernard-Henri Lévy concordam em pelo menos um aspecto: o intelectual se define social e historicamente segundo o papel das ideias em uma dada sociedade. Segundo Bobbio, “toda sociedade em todas as épocas teve seus intelectuais ou, mais precisamente, um grupo mais ou menos amplo de pessoas que exercem o poderespiritual ou ideológico, em oposição ao poder temporal ou político.”

Geralmente, credita-se a introdução do termo “intelectual”, como substantivo, a Georges Clemenceau, por ocasião do caso Dreyfus. Clemenceau, ele próprio um proeminente dreyfusard, assim como Émile Zola e Anatole France, entre outros, publicou, em 1898, no jornal L’Aurore, um artigo intitulado “À la dérive”, no qual aparece o termo. Clemenceau se referia então a especialistas de primeira ordem, luminares das respectivas áreas de conhecimento, os quais acreditavam ter o direito e o dever de se mobilizar em defesa de valores importantes quando estes não lhes parecessem adequadamente protegidos ou estivessem mesmo em risco em decorrência de ações das autoridades constituídas.

Um dos principais espaços de atuação do intelectual é a universidade. A ciência seria parte da ideologia do intelectual, assim como a dedicação à prática científica e o desejo do exercício de um cargo no ensino superior enquanto modo de distinção social. No caso brasileiro, bem como em alguns outros países, o intelectual procura as instituições superiores de ensino para apoio e para organização; partindo da sociedade, a esta retorna com propostas embasadas no conhecimento técnico-científico adquirido através de estudos. Esta prática é claramente perceptível, por exemplo, na ação de pensadores da educação no Brasil, como Anísio Teixeira, Francisco Campos, Gustavo Capanema, Manuel Lourenço Filho, Paulo Freire; na inserção de pesquisadores na vida política, como Fernando Henrique Cardoso e Darcy Ribeiro; na elaboração do programa de energia nuclear, onde os aspectos técnico-científicos envolvidos no processo de beneficiamento e utilização do urânio não se restringiam a aspectos energéticos, mas também políticos, morais, econômicos e antropológicos, entre outros.

Observado como saber amplo e generalista, as ideologias e as humanidades vêm sofrendo uma derrota frente às especialidades, ao saber técnico e prático, à indefinição política e às ciências aplicadas. Muitos estudiosos proclamam estar ocorrendo o chamado “fim dos intelectuais”. Os argumentos usados para defender esse fim lembram muito os argumentos de Francis Fukuyama em seu livro “O fim da história e o último homem”.

Há também quem rebata tal derrota, vinda de pessoas que não se alinham com Fukuyama. Elas deploram a existência do que chamam de fast-thinker (traduzido do inglês, “pensador rápido”, ou “intelectual-jornalista”, profissionais oriundos da universidade, com destaque para psicólogos, politicólogos e juristas, que se importam mais com o discurso do que com a relevância do saber transmitido, revelando uma espécie de comprometimento com o senso comum ou com opiniões predeterminadas pelos donos dos meios de comunicação, visando a agradar e fugindo ao engajamento que os definiria como autênticos intelectuais.

Se me solicitassem um nome de um intelectual comprometido com o saber e os menos desvalidos, indicaria sem pestanejar José Saramago, que sempre dizia “aonde vai o escritor, vai o cidadão”. A reflexão é dele: “Cada vez mais me interessa menos falar de literatura e cada vez mais de questões como a ética – pessoal ou coletiva. O que faz falta é uma insurreição ética. Não uma insurreição das armas, mas ética, que deixe bem claro que isto não pode continuar. Não se pode viver como estamos vivendo, condenando três quartas partes da humanidade à miséria, à fome, à doença, com um desprezo total pela dignidade humana. Tudo isso para quê? Para servir à ambição de uns poucos. Só falo de evidências, de coisas que estão à vista de todos. E sei que tenho razão”. E que disse mais, parecendo se dirigir aos “intelectuais” egolátricos sósias de Deus: “Estamos numa apatia que parece que se tornou congênita e sinto-me obrigado a dizer o que penso sobre aquilo que me parece importante”.

Parodiando o escritor Luiz Berto, autor do notável Romance da Besta Fubana e coordenador deste site primeiro mundo, pra lá de ótimo: “Pode-se perdoar tudo num homem, menos que ele deixe de pugnar por um mundo mais digno, sem mensalão, petrolão e avacalhação nacional perante o resto do planeta”. E por presídios mais seguros, à prova de explosões e conluios para desmoralizar secretários.

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Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social
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