FRANCISCO, IRMÃO DE FRANCISCO
Para debater com dois talentosos debatedores no Programa Geraldo Freire sobre o papa Francisco, semana passada, tive a oportunidade de estudar mais cuidadosamente uma das personalidades mais cativantes da contemporaneidade, que por ocasião da sua mensagem de Natal 2014, denunciou “as 15 doenças graves” que estão afetando a de longa data putrefata Cúria Romana. Cito-as: 1. Sentir-se autossuficiente, não fazendo autocrítica, não se atualizando e não tentando melhorar; 2. Trabalhar demais sem repouso; 3. Perder a sensibilidade “que nos faz chorar com os que choram”; 4. Limitar a liberdade do Espírito Santo devido ao excesso de planejamento; 5. Trabalhar sem coordenação, como “uma orquestra que só produz ruído”; 6. “Alzheimer espiritual”, que atinge os que se esquecem de seu encontro com o Senhor; 7. Fazer da aparência e dos títulos o principal objetivo da vida; 8. “Esquizofrenia existencial”, que muitas vezes afeta os que trocam o serviço pastoral pela burocracia; 9. Praticar o “terrorismo da fofoca”, falando pelas costas; 10. Cortejar os superiores e honrar pessoas que não são Deus, esperando por sua benevolência; 11. Por ciúmes ou astúcia, ficar contente com a queda de alguém, em vez de ajudá-lo; 12. Ter um “rosto fúnebre”, muitas vezes sintoma de medo, quando o apóstolo deve transmitir alegria por onde passa; 13. Tentar preencher o vazio existencial do coração com bens materiais; 14. Formar “círculos fechados” que buscam ser mais fortes do que o todo; 15. Querer mostrar-se mais capaz do que os outros, por meio de calúnia e difamação.
Algumas frases do papa Francisco têm imensamente incomodado os parasitas travestidos de batina do Vaticano, acostumados à pouca evangelização e muito às fofocas de corredores e derredores. Selecionei algumas: 1. “O cardeal não entra numa corte. Evitemos intrigas, maledicências, facções, favoritismos, preferências”; 2. “Ser pastor com o mesmo cheiro das ovelhas”; 3. “Se for escolhido, sei o que devo fazer”; 4. “A corte é a lepra do papado”; 5. “Nós somos pastores das pessoas, amamos a pobreza, não temos psicologia de príncipes”; 6. “Solidariedade não é circular com cara de lúgubre”; 7. “Não existe um Deus católico. Existe Deus”; 8. “O proselitismo é uma solene patetice”; 9. “Nunca direi a um ateu que a sua vida está condenada, pois estou convencido de que não tenho o direito de julgar a honestidade daquela pessoa”.
Algumas de suas características já são por demais conhecidas: sapatos pretos, velhos e deformados; a cruz de ferro que usa no peito; o anel de pescador é de prata; recusa sistemática do carro oficial; residência em Santa Marta; refeições feitas numa sala de jantar comum, com as outras pessoas; comunicação de modo estupendamente direto; e uso pessoal do telefone, sempre que possível.
Num momento histórico como o atual, quando as instituições religiosas perdem força diante de uma crescente espiritualidade adenominacional, o papa Francisco tenta ampliar a simpatia mundial para com a Igreja Católica, após o desastrado pontificado de Bento XVI, com escândalos aflorados pela imprensa e devidamente comprovados: pedofilia, IOR, tridentinos, Lefebvre, cardeal Bertone, os escândalos sexuais do Cardeal O’Brien, arcebispo de Edimburgo e os inúmeros casos desprimorosos que tramitam nas varas de justiça de inúmeros países.
Que o papa Francisco saiba bem dignificar o nome escolhido, pondo em prática as notáveis lições deixadas pelo inesquecível Francisco de Assis!! Que os rapapés e bla-bla-blás repugnantes sejam postos de lado, as sapatilhas de grife, a la Barbie, definitivamente jogadas no incinerador, cedendo vez a uma espiritualidade cada vez mais solidária para com os menos favorecidos do mundo.
O teólogo Leonardo Boff, um dos punidos pelos dois últimos papas, declarou recentemente: “São novos ares, nova música, novas palavras para velhos problemas, o que nos permite pensar numa nova primavera da Igreja”. No seu livro Francisco de Assis e Francisco De Roma – Uma Nova Primavera na Igreja, RJ, Mar de Ideias, 2014, leitura indispensável para quem deseja melhor conhecer a atuação do papa Francisco, ele traça algumas características da personalidade e das práticas do atual pontífice: não é eurocêntrico, não estando ligado àquelas tradições que tanto estigmatizaram a Igreja; não é eclesiocêntrico, dando centralidade ao ser humano em suas indagações e buscas; não é vaticanocêntrico, desde que no Anuário Pontifício se vê simplesmente “bispo de Roma, Francisco”; não é papacêntrico, sempre colocando a Igreja em primeiro lugar; não é restauracionista nem conservador, tendo a coragem de dizer: “Quem hoje procura sempre soluções disciplinares, quem tende de modo exagerado à segurança doutrinal, quem procura obstinadamente recuperar o passado perdido, tem uma visão estática e involucional. E deste modo a fé torna-se uma ideologia entre tantas”.
Os gestos simbólicos do papa Francisco são complementarmente compreendidos por três documentos: o Documento de Aparecida, maio de 2007, ele ainda cardeal de Buenos Aires; o discurso feito aos refugiados vindos da África para a ilha de Lampedusa, no sul da Itália, onde ele denunciou “a globalização da indiferença e a nossa incapacidade de chorar”; e a longa entrevista dada à revista dos jesuítas La Civiltà Cattolica, em setembro de 2013, criticando asperamente os rigoristas, conservacionistas e vaticanocêntricos, para ele verdadeira praga da Cúria Romana. O que me fez recordar um amigo muito amado, a quem muito devo depois do meu amado pai, que dizia vez por outra: “O Vaticano é a coisa mais antievangélica que conheço”.
Sou plenamente favorável a uma refundação da Igreja Romana, se possível em pleno coração da África! Que ela seja uma igreja amplamente convivencial com as demais denominações cristãs e não cristãs, na implemtação de estratégias que reestruturem uma nova humanidade, sem discriminações de qualquer natureza. Onde uma inteligência espiritual, juntamente com as outras e sem preponderância, fortaleça os seres humanos como unidades multidimensionais, convergindo Ciência e Fé para sobrevivência de todos.
Viva o papa Francisco!!
(Publicado em 28.09.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves