FONTES ANESTÉSICAS


De uns bons tempos para cá, e tudo acelerou-se a partir da derrubada do muro de Berlim, ícone dos arroubos de uma não-democracia que se imaginava eterna, o “pão e circo”, o “engana-trouxa” das massas exclu’das do planeta, foi notavelmente maquiado por feitos arquitetados com uma criatividade ímpar. Imaginação, competência e efetividade incentivadas através de investimentos vultosos de fontes privilegiadas do sistema financeiro internacional.
Se alguém é solicitado a identificar algumas posturas anestésicas, facilmente identificará dezenas delas nos setores mais diferenciados. E à proliferação delas, explicitando eficácia reconhecida pelos especialistas do ramo, pode ser creditada um crescente “alheamento” de muitos milhões, preocupando autoridades internacionais, no Brasil incomodando segmentos nacionais comprometidos com amanhãs brasileiros mais dignificantes.
Sem atentar para a repercussão que obteria sua reflexão, o genial Leibniz declarou certa feita: “Nada é mais importante que ver as fontes da invenção, que, em minha opinião, muito mais importantes que as próprias invenções”. Daí resulta uma inferência de bom calibre: nos alicerces de um sistema onde “tudo deve ser lucro”, incentivador de uma “contemporaneidade a la Gerson” – tem-se que levar vantagem em tudo -, se encontra o oxigênio que centuplica os espantos, desnorteia os não-amorais e escorraça o bom teatro, a boa trama televisiva, o humor inteligentemente picante, os desafios que merecem aplausos pela argúcia apresentada.
O consumismo, o individualismo, o hedonismo e os menosprezos pelos balizamentos éticos mais comezinhos são partes integrantes indissociáveis de uma das faces de uma moeda vil, onde no verso, num equilibrado contrabalanço, proliferam o assistencialismo bestificante, o democratismo idiótico, o caritativo hipócrita, a solidariedade fingida e as crenças que discrimina, no cristianismo guetificando até denominações em torno de uns poucos eleitos, de preferência bons dizimistas.
As elites financeiras mundiais, com seus capatazes de sofisticada qualificação técnica, imaginando-se num oásis perene, parecem despreocupadas com o fosso criado entre uma minoria de vida folgada e os milhões de párias que apenas são levados na conta de apenas consumidores, embora sem qualquer possibilidade ingerencial na vida econômica.
Os analistas sociais brasileiros independentes costumam identificar, no dia-a-dia dos meios de comunicação, alguns bons “ingredientes” anestésicos. Desde os acidentes novelísticos que comovem e fazem chorar, até os noticiários que mutilam circunstâncias e agridem o bom-senso, passando pelas bobajadas de medíocre densidade artística. De modo capciosamente sub-reptício, a participação, a parceria e a co-responsabilidade, a solidariedade e a ética, a auto-sustentabilidade e a previdência, entre tantos outros temas, estão sendo muito sutilmente “transferidos” para a sociedade, como se de sua única responsabilidade fosse, isentos ficando o Estado e o mercado. As vitórias alcançadas, do neo-liberalismo, naturalmente. Os insucessos atribuídos à sociedade, posto que “ainda não plenamente consciente dos seus compromissos”.
Somente mediante uma arrojada política educacional, ministrada a partir de um ensino fundamental federalizado, ampliaremos a cidadania da nossa gente, que necessita voltar a sonhar com mais ousadia coletiva.
A reflexão final é de Eduardo Galeano: “nunca antes o mundo foi tão injusto na repartição do pão e dos peixes. Mas o sistema que rege o mundo e que agora é pudorosamente chamado de economia de mercado mergulha cada dia num banho de impunidade”.
Eu ainda acredito, como muitos outros, que a solução para a fome e a exclusão social, neste século XXI, será asséptica e pragmática. Com todos irmanados num grande pacto mundial. Que Deus me perdõe …