FILÓSOFO, EXISTENCIALISTA, ESPÍRITA


Lendo com vagar o livro intitulada J. Herculano Pires, O Apóstolo de Kardec, de Jorge Rizzini, São Paulo, Editora Paideia, 2001, encontrei sobre o biografado, numa das primeiras páginas, algumas referências elogiosas, inclusive uma consagradora do famoso médium Chico Xavier: “Admiro, cada vez mais, a sua capacidade de penetração na obra de Allan Kardec para definir-lhe a grandeza e situar-lhe a colocação em nosso tempo”. O que me fez acelerar a leitura sobre o homem, a vida e a obra de quem é considerado por especialistas em Filosofia como “o único filósofo existencialista espiritualista espírita”, dada sua imensa admiração pelo filósofo francês, mesmo com as restrições consequentes “da visão mutilada” pelo materialismo do autor parisiense.

Segundo o biógrafo do Herculano, o livro acima citado “é um livro que arrebata e faz o leitor crescer espiritualmente.” E mais: “Herculano Pires foi o que podemos chamar de homem múltiplo. Filósofo, educador, jornalista, escritor, parapsicólogo, romancista, poeta, fiel tradutor de Kardec, em todas as atividades – inclusive, fora do movimento espírita – sua inteligência superior iluminada pelo Espiritismo e aliada a uma cultura onímoda.”

Nascido em setembro de 1914, 25, em Avaré, São Paulo, também desencarnado em São Paulo, 9 de março de 1979, José Herculano Pires tornou-se espírita muito jovem, segundo declaração própria: “Eu não queria saber do espiritismo. Um dia, meu saudoso amigo Dadício de Oliveira Baulet me desafiou a ler O Livro dos Espíritos de Allan Kardec. A contragosto aceitei o desafio e o estou lendo e estudando até hoje. Tornei-me espírita pelo raciocínio. Isso ocorreu em 1936; eu tinha, então, 22 anos.”

O livro do Jorge Rizzini, escritor premiado pela União Brasileira de Escritores e pela Secretaria de Cultura de São Paulo, também companheiro de Herculano Pires por mais de trinta anos, é rigorosamente documentado, desde quando o biografado era menino poeta em Avaré, antiga Província do Rio Novo, São Paulo.

Filho primogênito de sete filhos de José Pires Correa, farmacêutico que abandonou a profissão para tornar-se um dos mais vibrantes jornalistas do interior paulista, e de Bonina Amaral Simonetti, uma distinta pianista, Herculano Pires teve publicado seu primeiro livro em 1930, intitulado Sonhos Azuis, quando tornou-se conhecido na região como “o menino-escritor”.

Depois de convertido ao Espiritismo, embora desde infância tivesse visões mediúnicas, Herculano assistiu uma palestra doutrinária de João Leão Pitta, um português natural da Ilha da Madeira, muito amigo de Cairbar Schutel, a quem Herculano chamaria mais tarde de “apóstolo do Espiritismo no Brasil”.

Vale a pena ler os livros de José Herculano Pires. Mas um deles, de pouco mais de uma centena de páginas e editado primeiramente pelo Correio Fraterno, de São Bernardo do Campo, SP, em 2014, em comemoração ao centenário de nascimento do autor, eu o tenho quase instantaneamente ao meu alcance. O livro foi escrito por Raymundo R. Espelho, intitula-se O Pensamento de Herculano Pires, e reflete, através de quase 400 verbetes retirados de suas obras espíritas, a busca pelo autoconhecimento, revitalizando uma fé raciocinada na busca de uma aproximação com a Mensagem do Homão da Galileia, nosso Mestre Jesus, proporcionando um caminhar de libertação mais consciente na direção da Luz.

Através desta coluna, esplendidamente dirigida pelo escritor Luiz Berto, permito-me expor alguns verbetes, favorecendo o despertar de muitos para os textos magistrais de José Herculano Pires. Ei-los, com o título do livro entre parêntese:

Agonia das religiões – O materialismo morreu por falta de matéria, como afirmou Einstein, e as religiões agonizam, como podemos ver, por falta de espírito. (Agonia das religiões)
Utopias – Como advertiu Kardec, devemos pisar no terreno sólido da realidade, deixando as utopias, por mais fascinantes que sejam que se apresentem, que se submetam à prova inexorável do tempo. Não somos utópicos, somos realistas. Não jogamos com possibilidades, mas com fatos. E fora dos fatos e da sua pesquisa rigorosa não temos espiritismo. (A pedra e o joio)
Movimento espírita – A grande batalha do espiritismo contra os preconceitos tem de ser travada, portanto, em primeiro lugar, dentro do próprio movimento espírita. Antes de se defender contra a reação natural do mundo moderno aos seus princípios renovadores, o espiritismo precisa enfrentar essa defesa no âmbito interno do movimento doutrinário, procurando elevar os seus adeptos à verdadeira compreensão da doutrina. (O infinito e o finito)
Crença e ciência – Certas pessoas querem negar a natureza científica do espiritismo, por considerarem a ‘crença’ espiritual uma simples superstição. Alegam que desde as eras mais remotas os homens acreditaram em espíritos. Mas não é o fato de sempre haverem acreditado o que importa, e sim o fato das próprias investigações modernas confirmarem essa crença. (O espírito e o tempo)
Fé e razão – O ato de crer é emotivo e antecipa a razão. A fé nascida da crença é sugestiva e, portanto, emocional. Pode levar à paixão e ao fanatismo, gerando os monstros sagrados dos torturadores e assassinos a serviço de Deus. (Educação para a morte)
Mestres – Os que realmente estudam e compreendem a doutrina sentem-se humildes diante da sua grandeza e não pretendem passar por mestres. São colegas mais aplicados que apenas se esforçam para ajudar os companheiros de escolas no aprendizado necessário. (O mistério do bem e do mal)
Doutrina de estudos – O espiritismo é uma doutrina que existe nos livros e precisa ser estudada. Trata-se, pois, não de fazer sessões, provocar fenômenos, procurar médiuns, mas de debruçar o pensamento sobre si mesmo, examinar a concepção espírita do mundo e reajustar a ela a conduta através de moral espírita. (Introdução à moral espírita)

Espíritas e espiritualistas seguramente perceberão melhor a evolução da Humanidade através de Herculano. A psicanalista Valéria Pessoa é admiradora incondicional do Herculano Pires. Que nem eu, embora eu ainda esteja na condição de aprendiz de bê-a-bá.
(Publicado em 20.11.2017 no site do Jornal da Besta Fubana (www.luizberto.com) e em nosso site www.fernandogoncalves.pro.br.)
Fernando Antônio Gonçalves