FERINOS, ILÍCITOS E ENXERGANTES


Irrito-me com facilidade diante de muitos livros classificados como de autoajuda ou textos enlameados de pieguices e baboseiras. Sensaborões, fingidos e profundamente desaconselhável para quem possui uma inteligência normal, jamais zebrina ou dinossáurica, nunca jumentálica.

Alguns livros, entretanto, são otimamente bem apresentados, inteligentemente elaborados, merecedores de entusiásticas releituras e múltiplas meditações. Um deles saiu recentemente, novembro, pela editora Zahar. Uma leitura sedutora, de risos, reflexões e reconstruções existenciais e militantes. Intitulada de Antologia da maldade: um dicionário de citações, associações ilícitas e ligações perigosas, da dupla Gustavo Franco/Fábio Giambiagi, excelente para uma leitura de final/início de ano, acompanhada de geladíssimas, azeitonas sem caroços e outros tira-gostos.

O Gustavo e o Fábio são dois economistas de nomeada, QI muito acima do economês pátrio vexaminoso e fora de moda por derradeiro. O primeiro, ex-diretor e ex-presidente do Banco Central, também foi um dos idealizadores do Plano Real. O outro integrou o staff top de linha do Banco Interamericano de Desenvolvimento, sendo autor de mais de 25 livros sobre economia brasileira, também consultor internacional.

A proposta da dupla é definida na orelha do livro e na Apresentação. E pode ser assim resumida: “um composto formado de uma malícia mais postiça que real, dois dedos de um atrevimento nem sempre inocente e outro tanto de puro divertimento”. E mais: “A presente antologia não exagera a ponto de abandonar a verdade histórica, embora tenha boa dose de humor e trate, além de tudo mais, da malícia política, cujas razões justificam ‘mentiras sinceras’ ou ‘mentiras estratégicas’.

Um antologia, diga-se a bem da verdade, muito bem documentada, sedutora por derradeiro. Dela, extraí alguns verbetes, aqui explicitados como amostras e analisados afoitamente por mim, sempre um aprendiz de tudo, ensejando um querer-ler o mais rapidamente possível. Que múltiplas reflexões e a leitura integral do texto dos dois economistas ampliem enxergâncias, proporcionem desalienações definitivas e ofereçam calibragem suficiente contra fingidos e amacacados, civis, religiosos e militares, dos quatro cantos do país, independente de sexo, etnia ou militância política. Ei-los:

“Não há outro meio de guardar-se da adulação a não ser fazendo com que os homens entendam que não te ofendem dizendo a verdade” (Maquiavel). Como se escamoteia a verdade neste país!! Desde os tempos de uma carta enviada pelo Pero Vaz Caminha ao rei de Portugal, buscando afagar seus bagos em prol do emprego para dois sobrinhos. Parecendo até que, no Brasil, já se olvidou por completo da advertência do notável padre Antônio Vieira (1608-1697): “Não é miserável a República onde há delitos, senão onde falta o castigo deles”.

“A ignorância é a maior multinacional do mundo” (Paulo Francis). Uma constatação sem mas nem meio mas. O cientista Étinne Pascal (1588-1651) já proclamava, parecendo anunciar a chegada do Luiz Inácio da Silva, um candidatíssimo a “Messias 21”: “O homem está sempre disposto a negar tudo aquilo que não compreende”.

“Mestre não é quem ensina, mas aquele que, de repente, aprende”. (Guimarães Rosa). E um professor responsável pelo desenvolvimento escolar da YBC, uma escola não tradicional de Estocolmo antecipou-se com ampla sabedoria a uma das patologias escolares do presente século: “Se o professor fizer uma pergunta em sala de aula cuja resposta pode ser achada no Google, a pergunta está errada”.

“O Lula é um viciado em si mesmo” (Millôr Fernandes). E em outras cositas mais, alcoólicas inclusive, repassadas didaticamente para auxiliares próximos e parentes de primeiro grau. Num dos países do Oriente, até recentemente, quem fosse flagrado roubando, perderia o dedo mindinho. Fico horrorizado só de imaginar um nordestino brasileiro sem os dez dedos, mentindo desabridamente e dizendo “a menas que”….

“No fundo de cada decepção jaz, para quem sabe entendê-lo, um bem feito” (André Gide). Nunca deixando de sempre dar a volta por cima, relembrando-se do pensar do notável Pierre Theilard de Chardin: “Não somos seres humanos tendo experiências espirituais, somos seres espirituais tendo experiências humanas”.

“Atitude é uma pequena coisa que faz uma grande diferença” (Churchill). Uma lição que muitos recifenses, de todas as classes, inclusive os de classe média em submersão, deveriam apreender. E a minha avó Zefinha, sempre costurando para se sustentar, já advertia: “Ingratidão fede à merda!”

“O mais puro de todos nós tem dentro de si profundezas insondáveis de maldade, de moléstia moral, de egoísmo” (Olavo Bilac). Afinal de contas, sempre nos depararemos com pessoas pequenas, para quem um bom dia, um bom tarde, um boa noite e um muito obrigado não estão entre seus cotidianos deveres comunicacionais.

“Qualquer paspalhão que desafia um ventilador pensa que é Dom Quixote” (Stanislav Lec). No próximo ano, ano eleitoral, o Brasil servirá de palco para paspalhões de vários quilates, cujos malabarismos cênicos e cínicos, seguramente enodoarão mais o atual conceito do Brasil no conserto das nações. Erradicá-los só dependerá da ampliação da nossa cidadania.

Por fim, após findada a leitura do livro da dupla Gustavo/Fábio, proponho um exercício pra lá de saudável. Convide-se pessoas, idades diferenciadas, não mais que oito. Que elas releiam os verbetes contidos em cada parte (A, B, C…), buscando debater sob as seguintes questões: Por que perdemos de vista as grandes questões que vão definir o que o Brasil será no século XXI?; Por que hoje, se somos bem mais fortes que nos anos 50, os setores públicos que se dizem socialmente responsáveis só vivem de cortar, vender, desnacionalizar, dilapidar, fatiar, desmontar, desfazer, negar, contingenciar e demonizar os seus diversos patrimônios?; Por que tanto marketing, slogans, anúncios, demagogias, fingimentos e jogo de poder diante de uma sociedade civil que se tornou um tanto aquedada nos últimos anos?

Após ampla discussão enxergante, que todos cuidem dos seus títulos de eleitor. Para começar também a comer pelas beiradas, nas próximas eleições, favorecendo a ampliação da dignidade nacional.

Feliz Natal para gregos e troianos, todos filhos amados da Criação!!

(Publicado em 21.12.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com/sempreamatutar)
Fernando Antônio Gonçalves