FÉ ALÉM DOS DOGMAS


Nos quatro cantos do planeta, algumas indagações perpassam hoje a mente inquieta dos jovens mais argutos, acadêmicos inclusive, que anseiam aprimorar sua fé religiosa, distanciando-se dos fundamentalismos tridentinos que buscam anestesiar um mundo que necessita de inadiáveis reestruturações: Como é Deus, além dos dogmas? Como devemos entender o mal? Quem é Jesus quando conceitos tradicionais cristãos não nos transmitem mais significado algum? Questões que buscam ser respondidas, num livro inquietante, por Dom John Shelby Spong, bispo episcopal anglicano de Newark, EEUU, por 24 anos, até sua aposentadoria em 2000. De título Um Novo Cristianismo para um Novo Mundo – A Fé além dos Dogmas, publicado no Brasil pela Verus Editora, em 2006, ele busca demonstrar que certos procedimentos dogmáticos não podem mais vigorar numa humanidade radicalmente nova, que anseia por amor, igualdade e verdade, embasados num sistema de fé que supere os obstáculos impostos por exclusividades. Segundo ele, “para realizar essa tarefa, serei obrigado a arrancar desse cristianismo do futuro qualquer tentativa de literalizar os mitos interpretativos e lendas explicativas do passado. Tentarei libertar o cristianismo de prerrogativas de exclusividade e necessidade de poder que distorceram totalmente sua mensagem. Procurarei transpor o sistema religioso que se desenvolveu institucionalmente e marcou tanto o cristianismo e explorar o poder que há por trás e que esse mesmo sistema tanto se esforçou por explicar e organizar”.

As reflexões do bispo Spong comprovam que o cristianismo tem sido utilizado como instrumento de poder, tanto para vencer os medos do cotidiano, quanto para justificar os absurdos da vida, subjugando os que são diferentes – na cor da pele, nas crenças e gêneros ou nas preferências sexuais -, revelando novas formas de amor, justiça e respeito, caminhos que seguramente abalarão velhos conceitos e a “veracidade” de alguns fatos bíblicos, buscando o Deus vivo e sempre presente em toda a humanidade, nunca de vestes, barbas e cajado. E Shelby ressalta, logo no prefácio, um pensar de Dietrich Bonhoeffer, assassinado pelos nazistas poucas semanas antes da erradicação do Terceiro Reich: “Deus quer que saibamos que devemos viver como quem administra sua vida sem ele. O Deus que está conosco é aquele que deserta de nós. O Deus que nos permite viver no mundo sem a hipótese funcional de Deus é aquele diante do qual permanecemos continuamente. Diante de Deus e com Deus, vivemos sem ele”.

No seu livro sem melindres nem fantasias, tampouco chiliquento e fuxicoso, Dom Shelby deseja construir pontes entre o academicismo e os bancos das igrejas, a farorecer a mensagem paulina, que colocava sempre a mente crítica acima das muitas vezes irracionais áreas cardiológicas.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 07.02.2014
Fernando Antônio Gonçalves