FATÍDICAS COINCIDÊNCIAS


Pouca gente sabe, mas em 1898, um autor pouco conhecido de nome Morgan Robertson escreveu um romance sobre a tragédia acontecida com um transatlântico fabuloso, repleto de ricaços e socialites, que afundou numa noite gélida de abril, após bater de frente com um iceberg. O livro, denominado Futilidade, foi editado por uma empresa de propriedade de M.F. Mansfield.

Alguns anos mais tarde, precisamente 14, a companhia de navegação britânica White Star Line construiu um transatlântico incrivelmente similar ao afundado. Tinha 66 mil toneladas de deslocamento, o outro 70 mil, com 269 metros de comprimento, o afundado 244. Ambos possuíam hélices triplas e podiam atingir de 24 a 25 nós, com capacidade para cerca de 3 mil pessoas, os botes salva-vidas sendo apenas suficientes para uma parte delas. E ambos foram rotulados de inafundáveis.

O que aconteceu com o navio real é relatado no livro Uma noite fatídica: o clássico relato das horas finais do Titanic, de Walter Lord, editora Três Estrelas, 2012; na noite de 14 de abril de 1912, quatro dias depois de zarpar de Southhampton, Inglaterra, o navio colidiu com um iceberg, indo a pique, vitimando mais de 1500 passageiros e tripulantes nas águas gélidas do Atlântico, em sua primeira e última viagem. E com eles, cinco pianos de cauda, oito mil garfos de jantar, um automóvel, uma central telefônica de cinquenta linhas, vinte e nove caldeiras, um exemplar cravejado de pedras preciosas do Rubaiyat, de Omar Hhayyan, entre outras milhares de jóias, pulseiras e relógios.

Decidindo fazer um relato sobre o desastre, o autor, em 1950, localizou mais de sessenta sobreviventes, além de dezenas de pessoas envolvidas com o naufrágio. O livro, tornado público em 1955, logo tornou-se fenômeno editorial nos Estados Unidos, sendo considerado, até hoje, o mais verídico texto sobre o acontecido, quer pela precisão das apurações feitas, quer pela acuidade analítica do autor. O texto versa sobre pessoas que participaram da construção e viagem do Titanic, sendo um livro que nunca será superado.

Na introdução à edição do quinquagésimo aniversário, o escritor americano Nathanael Philbrick, laureado várias vezes, afirma que o fascínio do público pela tragédia do Titanic ainda não ofereceu sinais de declínio, sendo o livro do Lord uma leitura imperdível, posto que permanece o relato definitivo do desastre, o autor definindo o afundamento do portentoso navio como “a maior notícia dos tempos modernos: o maior navio do mundo, proclamado inafundável, bate em um iceberg na viagem inaugural e afunda, levando com ele muitas das grandes celebridades da época”. E considera que foram três os assuntos sobre os quais mais se escreveu em todos os tempo: Jesus, a Guerra Civil e o Titanic.

O livro de Lord descreve, sem as espetaculosidades noticiadas pelos meios de comunicação XXI, os atos heróicos e os gestos pusilânimes, as grandezas e as mediocridades de tripulantes e passageiros, os menosprezos para quem estava instalado na terceira classe, além de outras múltiplas informações sobre o navio e seus passageiros e tripulantes, a bravura do navio de resgate Carpathia e a covardia dos oficiais do navio California, fazendo do Titanic “uma paródia de si mesmo – toda pompa e circunstância reduzidas a um ostensivo fracasso diante do avanço do mar”. No livro, Lord narra com incontida emoção a coragem impulsiva do quinto oficial do Titanic, Godfrey Harold Lowe, no bote salva-vidas 14, o único tripulante a retornar para o navio para procurar sobreviventes.

Leitura imperdível, a de um livro que trata da última noite de uma pequena cidade flutuante.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 14.06.2013)
Fernando Antônio Gonçalves