FARSA E TRAGÉDIA
Li com entusiasmo o prefácio à edição brasileira do texto do filósofo e psicanalista esloveno Slajov Zizek, hoje considerado um dos principais teóricos contemporâneos, que transita por áreas diversas sob a influência de Karl Marx e Jacques Lacan, efetivando uma inovadora crítica cultural e política da denominada pós-modernidade. O livro Primeiro Como Tragédia, Depois Como Farsa, editado pela Boitempo, com prefácio do próprio autor, mereceria ser discutido por todos os presidenciáveis que desejassem sair das mesmices programáticas que ainda idiotizam uma boa parte do eleitorado brasileiro, hoje mais para pedinte que para empreendedor, mais para servo que para libertador das suas amarras colonialistas.
No prefácio, uma tapa em luva de pelica é aplicada numa esquerda acadêmica metida a intelectual radical tipo clássico, assentada em posições preocupadas com suas carreiras e seus papers, nunca se percebendo identificado com o que disse George Orwell, em 1937, no seu O Caminho para Wigan, que os caracterizou como dotados de uma essencial postura existencial: no “importante fato de que toda opinião revolucionária tira parte de sua força da convicção secreta de que nada pode ser mudado”.
No livro, Zizek indaga se estamos preparados para enfrentar um novo futuro, primeiro com o ataque de 11 de setembro, depois com o colapso financeiro mundial de 2008, num mundo eivado de falhas morais, incompetências administrativas, individualismos, hedonismos, parvoíces as mais diferenciadas, desatentos para aspectos que constituem a privatização do “intelecto geral”, a tendência recente de organizar o ciberespaço para a chamada “computação em nuvem”. E ele mesmo provoca: “há uma década, o computador era uma grande caixa que ficava em cima da mesa, e a transferência de arquivos era feita por meio de discos flexíveis e pendrivers; hoje, não precisamos mais de computadores individuais potentes, porque a computação em nuvem ocorre na internet, isto é, os programas e as informações são fornecidas sob demanda aos computadores ou celulares inteligentes, na forma de ferramentas ou aplicativo localizados na internet que os usuários podem acessar e utilizar por meio de navegadores, como se fossem programas instalados no computador. Dessa maneira, podemos ter acesso às informações de qualquer parte do mundo onde estivermos, com qualquer computador, e os celulares inteligentes põem esse acesso literalmente m nosso bolso”. E vai além: “O Google Books torna disponíveis milhões de livros digitalizados, a qualquer momento, em qualquer lugar do mundo. E esse maravilhoso mundo é apenas um lado da história.”
E Zizek explicita mais uma cutucada: “Os partidários da abertura gostam de criticar a China por tentar controlar o acesso à internet; mas não estamos cada dia mais parecidos com a China, com nossas funções na ‘nuvem’ mais e mais semelhantes de certo modo, com o Estado chinês?”
(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 09.08.2014
Fernando Antônio Gonçalves