EXEMPLOS DE CIDADANIA


Na ante-sala das eleições municipais de 2012, quando pelos eleitores deverão ser ejetados das Câmaras Municipais Brasileiras os que não souberam honrar seus mandatos, no livro Corrupção Mostra a Sua Cara, do jornalista, historiador e professor Marco Morel, PhD em História pela Université de Paris I, alguns exemplos apontados como incorruptíveis ampliam esperanças e fortificam militâncias que aspiram para o país uma imagem de nação honrada para os qietro cantos do mundo.

Muito distanciados dos corruptos os mais diferenciados – segundo o autor, “há os corruptos chamados ‘meia-porção’, os de ocasião, os pontuais, os arrependidos, os tardiamente pervertidos, os que só pegam leve e os que só agem às escondidas” – dentre os mencionados, três exemplos me tocaram profundamente, um pela saudade até hoje deixada em milhões, outro pela pernambucanidade impoluta até o final da vida, outro pela profissionalidade exemplar manifesta nos tribunais em tempos autoritários.

Com o primeiro, Dom Hélder Câmara, que morava sem conforto algum nos fundos de uma modesta igreja, o caso aconteceu na década de 1970. Com ar aflito, uma mulher de aparência humilde pediu para entrar nos seus aposentos, portando uma mala estufada de dólares. Choramingando, a mulher dizia ter encontrado tal mala cheia de dólares na rua e não sabia o que fazer com ela, achando por bem entregá-la ao Dom, conhecido por suas atividades junto aos pobres. Com sua sabedoria e sacando de imediato o que estava por debaixo dos panos, o Dom despachou a mulher e a sua mala: “Leve o dinheiro para o governador, minha filha, ele saberá muito bem o que fazer com isso”. E voltou para sua escrivaninha, para continuar a travar o bom combate em favor dos que não possuíam nem voz nem vez, sempre pautado numa das suas bandeiras existenciais: “Não me dou a penitências.Com todo respeito que me merecem os santos, não sou homem de autoflagelações… Não há penitência melhor do que aquelas que Deus coloca em nosso caminho.”

O segundo exemplo é de um pernambucano, Barbosa Lima Sobrinho, ex-governador de Pernambuco e ex-presidente do então portentoso Instituto do Açúcar e do Álcool. Depois de ser deputado federal por três legislaturas seguidas, voltou em 1951 para sua residência no Rio de Janeiro, reassumindo seu cargo de professor da rede pública, onde lecionava história econômica no colégio Amaro Cavalcanti. Faleceu com 103 anos na casa que sempre morou, sem ter havido qualquer incremento do seu patrimônio pessoal. Em vida foi patrono dos jornalistas na defesa das liberdades públicas e da liberdade de imprensa, tendo combatido enfaticamente as privatizações dos governos FHC, hoje conhecidas como “privataria tucana”.

O exemplo último, também sempre recordado no Poder Judiciário, é reservado à trajetória jurídica do advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto, um cumpridor intransigente da lei, não obediente defensor de governos. Quando foi decretado o Ato Institucional nº 5, ele, com 75 anos, enviou ao então ditador de plantão e moribundo Costa e Silva uma carta onde denunciava a instituição daquele ato de força, sendo preso por recusar-se a acatar aquela determinação ilegal. Defendeu gratuitamente Luíz Carlos Prestes na ditadura Vargas, também sendo defensor gratuito do escritor Graciliano Ramos e do dirigente comunista alemão Harry Berger. Sempre vivendo do seu trabalho, recusou convite de JK para integrar o Supremo Tribunal Federal, pois não queria que a defesa feita por ele para a posse do presidente fosse entendida como de interesse pessoal. Num dos últimos pronunciamentos, no gigantesco Comício das Diretas, no Rio de Janeiro, causou profunda emoção, ao proclamar com sua voz já bastante enrouquecida: “Todo poder emana do povo e é em seu nome exercido”.

O livro do Marco Morel merece ser lido inclusive por todos aqueles bundões que estão proclamando que votarão nulo ou branco nas eleições de outubro próximo. Arroteiros incultos que desconhecem História, desapercebidos sempre de uma inesquecível lição deixada por Bertolt Brecht, alemão de muita solidariedade universal: “Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar”.

Combatemos com nossos títulos eleitorais os corruptos e os corruptores nas eleições de outubro próximo. Ensinando aos mais abiscoitados que o caminho se fez andando, como apregoa o poema libertário.

PS. O ministro dos Esportes, Aldo Rebello, deveria ter enfiado o “rebello” entre as pernas antes de manifestar uma descomunal inveja pela participação da Marina Silva no desfile inicial dos Jogos Olímpicos de Londres. Comportou-se como um me(r)díocre!!
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Fernando Antônio Gonçalves é professor universitário e pesquisador social
(Publicada em 30/07/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)