EVANGELHO-BÚSSOLA


Uma das mais espetaculares descobertas acontecidas no Egito, em 1945, tornou-se leitura das mais recomendadas para melhor assimilar um Nazareno profundamente místico. Mais conhecido como Quinto Evangelho, também chamado Evangelho Gnóstico de Tomé, ele possibilita um aprendizado espiritualizado que transcende os procedimentos denominacionais vigentes, alguns sem cativação alguma, outros apenas preocupados com as coletas, um número significativo de exímios engabeladores da crendice dos emocionalmente ananicados.

Para os que se interessam, a leitura de O Evangelho de Tomé, de Ron Miller, há mais de trinta anos docente de uma universidade de Illinois, EEUU, é oportuna. O livro aborda questões sobre as origens do cristianismo, a partir dos ensinamentos transmitidos pelo muito amado Galileu, um Mestre sábio e amoroso, que compartilhava “aforismos” sobre valores universais, orientando sobre o papel de cada um na viabilidade do Reino.

Na orelha do livro está sua característica: “a revelação de que a sabedoria advém de nossa própria atividade e da busca eterna do caminho espiritual”. E mais: “o caminho é mais relevante do que a chegada, o esforço pessoal é mais notável do que a realização”. Tal e qual o ensinado pelo Homão: “o buscador jamais deverá parar até que encontre o que procura. Quando achar, ele ficará transformado. Após a perturbação, ele será arrebatado. Então reinará sobre todas as coisas”.

Baseando-se na tradução dos textos em aramaico, Ron Miller expõe uma visão contextualizada dos 114 versículos de Tomé, possibilitando a cada um a oportunidade de expressar a sua fé sem frequentar esta ou aquela autoridade, às vezes nem tanto autoridade, outras vezes tampouco religiosa. Daí a leitura do livro do Miller não se direcionar para as denominações, posto que ela “transcende tudo que é religião, sendo indicada para qualquer ser humano”. E como Jesus não ensinou nenhuma religião, nem desejou ser cultuado num madeiro, pode-se proclamar que a mensagem do Evangelho de Tomé possui um triplo norteamento: “a honra da palavra, o amor ao próximo e a fé em Deus”.

O livro do Miller se presta a reflexões diárias, favorecendo o autoconhecimento e consolidando o amor ao Outro. Para tornar-se mais próximo dos ensinamentos do Nazareno, aprimorando uma consciência cósmica que promova a ampliação da dignidade humana e um amplo respeito pelo meio-ambiente.

Uma advertência de Miller: “o saber místico, como todos os demais ensinamentos espirituais se destinam a todos aqueles que buscam uma epiritualidade condizente com as complexidades de uma época que está a exigir uma cada vez mais evolucionária maturidade cognitiva, sempre a conjugar o binômio Fé e Ciência”. A recomendação é por demais oportuna: “não é preciso ser cristão para se beneficiar do conteúdo deste livro, da mesma forma que ninguém precisa ser budista para assimilar as Quatro Verdades Nobres de Buda, ou, ainda, muçulmano para se inspirar nos Cinco Pilares da Fé do Islã”. Sob outro ângulo: somos irmãos espirituais de Mestres místicos evolucionários, onde todo conhecimento é parcial, provisório e perspectivo.

Defendo o pluralismo religioso, onde todas as religiões são detentoras de apenas um naco da Verdade. Os 114 versículos do Evangelho de Tomé apontam para ensinamentos que foram escondidos por facções poderosas. Que estão emergindo neste século XXI, quando notáveis diferenciam essência e circunstância, tal como estão fazendo, entre outros, o bispo anglicano John Shelby Spong e a pesquisadora Eaine Pagels.

Ao concluir a leitura do livro do Miller, recordei palavras de um bispo que muito amei, Dom Hélder Câmara: “Cada dia Deus nos oferece uma folha em branco e todas as tintas do universo, para que, fazendo uso do livre arbítrio, possamos colorir todos nossos sonhos e decidirmos as nossas escolhas”. Um arcebispo acima dos procedimentos que “desenvagelizam” mais a cada temporada.

(Jornal do Commercio, Recife, PE, 07.04.2010)
Fernando Antônio Gonçalves