ESMAGANDO HOMOFOBIAS
Um livro, recentemente editado pela Sextante, me ampliou as esperanças de ver chegando, proximamente, um contexto mundial sem preconceitos sociais mórbidos, nem pedofilia praticada por tarados e religiosos castrados por um celibato anti-evangélico por excelência. A jornalista carioca Bety Orsini escreveu um livro contendo 20 histórias de personagens que sobrepujaram preconceitos e discriminações LGBTs, ressaltando quão estúpidas e descompassadas são todas as posturas homofóbicas. Um livro que deve ser refletidamente lido por todos, gregos e troianos, favorecendo a compreensão para com os que entendem ser possível ser feliz independentemente do caminho escolhido, porque toda manifestação de amor é plenamente saudável.
O livro se intitula Toda maneira de amar vale a pena, onde os entrevistados optaram pela sinceridade sem vitimismos nem dolorismos, tampouco coitadismos, favorecendo os caminhares dos ainda trancafiados em incomodatícios armários, necessitando ultrapassar obstáculos para inteirar-se, sem medo de ser feliz, de uma felicidade existencial homocompartilhada.
A primeira entrevista do livro se dá com um craque do vôlei brasileiro, o Michael, que, em primeiro de abril de 2011, na primeira partida das semifinais da Superliga Masculina de Vôlei, em Contagem, Minas Gerais, com 28 anos, ouviu a torcida adversária incendiar o ginásio lotado com gritos de “bicha!”, deixando-o muito assustado, nos primeiros momentos, dada a transmissão do jogo ser feita por um canal de TV para todo o Brasil. Ele nunca tinha visto tamanha manifestação preconceituosa.
Filho único de mãe lésbica, que o teve aos 20 anos, Michael percebeu-se gay desde a mais tenra infância, nunca escondendo sua vaidade quando adulto, sempre carregando na bolsa de viagem três tipos de xampu, condicionadores, creme para pentear, além de um secador. E se declara: “Sou um privilegiado. A gente ouve casos de pessoas que são expulsas de casa, são espancadas, sofrem preconceitos no trabalho, tornando-se envergonhadas, como se fosse vergonhoso ser o que é. Sempre dei cara a tapa, mas sei que cada um tem seus motivos”.
Li todo o livro, com atenção redobrada, para melhor entender parentes e amigos homossexuais. E me emocionei bastante, lembrando prima muito amada, do relato de Carla Ramirez e Cinthia Berman. A primeira, venezuelana, 37 anos, violinista. A segunda, também 37 anos, argentina, produtora cultural. Que, em momentos diários de muita felicidade conjugal, curtem Ilan, um bebezão de 4 meses, “parido” após uma caminhada de mais de onze anos, tudo começado num evento da Orquestra Mercosul. No Carnaval de 2000, quando se conheceram de mesmo, depois de incontáveis e-mails, sementes de um caminhar amorosamente lindo foram lançadas, até hoje as duas debatendo sobre quem tomou a iniciativa de “chegar junto”.
A chegada do Ilan foi principiada numa clínica de reprodução nos Estados Unidos, onde é possível escolher um doador. Ilan, que em hebraico significa árvore tem a pele branquinha, o cabelo escuro (de Carla) e os olhos claros (de Cinthia). Em relação ao futuro, o casal faz planos e é Carla quem projeta fazer também inseminação artificial. O Ilan, dormindo com semblante de felicidade irrestrita, parece sorrir com ideia tão familiar.
Para não dizer que fiquei apenas nos leigos, o livro tem o capítulo 9 dedicado a James Alison, uma pessoa de alegria incomum e desassombros vários. Teólogo católico, Alison é formado pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, também sendo escritor de nomeada, autor de um livro que abalou os alicerces dos tridentinos: Fé além do resentimento – fragmentos católicos em voz gay, lançado no Brasil pela Editora É Realizações, 2010. No livro, Alison, hoje inglês de 54 anos, alto, sorriso franco e voz mansa, afirma que seria impossível ser teólogo se não estivesse disposto a ser honesto consigo mesmo. E acrescenta: “Conciliar a fé católica com a postura de homem gay neste período histórico do desabamento de um armário cada vez mais frágil é exercício diário”.
Filho de ministro conservador do governo Margaret Thatcher e irmão da escritora e diretora de cinema Rosie Alison, que mora em Londres, James descobriu sua homoafetividade quando tinha 9 anos. De progenitores anglicanos evangélicos linha dura, seu pai considerava a homossexualidade uma aberração, posicionando-se contra os direitos dos LGBTs até 2004, quando eternizou-se. E ele também considerava a Igreja Católica uma igreja de perdição e o papa o anti-cristo, dizendo sempre que “foi mais assustador James virar católico do que ser gay”.
Sobre seu texto, acima citado, James Alison revela que o livro tem duas vertentes: “a primeira oferece a possibilidade de compreensão renovada da fé católica com base no pensamento de René Girard; a segunda, conta como ele descobriu que seria impossível ser teólogo se não estivesse disposto a viver como fiel católico e homem gay”.
A vigésima entrevista, a última, é com um casal gay, ambos ex-militares das Forças Armadas do país: Fernando Alcântara Figueiredo e Laci Araújo. Segundo o livro, “em janeiro de 2012, Laci e Fernando, alegando sofrer perseguição no Brasil, decidiram pedir asilo político à Corte Internacional de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos”.
Para quem deseja ver o desfecho da história de Fernando e Laci e tomar conhecimento dos demais depoimentos, a leitura do livro da Bety Orsini vale a pena. E em muito amplia o bom combate contra a homofobia que ainda persiste no inconsciente brasileiro, até nas Forças Armadas.
PS. Aos meus amigos e parentes LGBTs, um 2013 revigorado no combate à homofobia dos complexados.
(Publicada em 31.12.2012, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves