EQUIPAMENTO INDISPENSÁVEL


Amigo de longa data, pai aos quarenta, me telefona para confessar que, vez por outra, não consegue “captar” o que o filho de quinze anos diz para seus companheiros de escola e diversão. Outro dia, ouviu um deles dizer que o pai dele era um cdb, sempre beliscando uma nota, nunca invocadíssimo, de bilau jamais despreparado para o lufalufa cotidiano, odiando quem dança de urso com os amigos, ficando bem longe das muvuqueiras sociais da capital nacional da juventude pimpona. E pediu explicação.
Pedi um tempo para “decifrar” o fraseado do jovem. Afinal de contas, meus dois filhos e a filha já são adultos, casados e encaminhados, de profissões definidas e tetos estabelecidos, cidadãos para minha alegria de pai envaidecido.
Meio baratinado, senti uma saudade gota serena do Mário Souto Maior, hoje na eternidade. Que foi pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e que sempre me orientava sobre palavras novas criadas por uma juventude que deveria estar sendo merecedora de mais respeito pelos dirigentes da Educação Brasileira. Consultando aqui e ali, eis que amigo pediatra me empresta um livro, que me “diplomou” na decifração do equipamento falado pelos jovens do país. Intitulado Dicionário de Gíria, de J.B. Serra e Gurgel, já em oitava edição própria, 2009, inclusive com site muito visitado (www.dicionariodegiria.com.br).
A partir do livro emprestado, “decifrei” o dito. Assim, cdb = cu de boi, trabalhador; beliscando uma nota = ganhando dinheiro; invocadíssimo = irritado; bilau = pênis; lufalufa = dia-a-dia; dançar de urso = iludir; muvuqueira = confusão; e pimpona = esbelta, bonita.
O que o jovem disse para os seus colegas pode ser assim “traduzido”: que o pai trabalhava muito, sempre ganhando algum dinheiro, nunca se irritando, atento às aventuras sexuais que apareciam, tendo raiva dos que sacaneiam com amigos e sempre distanciado das fuxicarias de uma capital possuidora de juventude bonita. Um elogio de filho pra pai, coisa meio rara nos últimos tempos, de maiores distanciamentos.
O pediatra que me emprestou o livro ressaltou que os ensaios Uma Breve História sobre os Estudos da Gíria e O Equipamento Linguístico Falado do Brasileiro, ambos do autor de J.B. Serra e Gurgel, integrando a parte inicial do volume, fortalecem a compreensão sobre o assunto temático, Modismo Linguístico Falado. Tudo tendo se iniciado a partir de O Dicionário de Calão, de Albino Lapa, datado de 1959, que resgatou os calões (gírias) da língua portuguesa a partir do século XV. No primeiro ensaio são destacadas as edições do Dicionário do Palavrão e Termos Afins, do pernambucano Mário Souto Maior, com apresentação do juiz Eliézer Rosa (a edição 1973) e prefácio de Gilberto Freyre (a publicada em 1979). O médico amigo ainda ressaltou que todo pai de adolescente deveria ser possuidor de uma obra de referência do quilate do Dicionário de Gíria, posto que, segundo ele, “através das gírias utilizadas pelos filhos, pode-se estabelecer o roteiro das suas andanças e das companhias por ele frequentadas”.
Pedi mais uma semana de prazo ao dono do dicionário. Para folhear com mais calma as setecentas e tantas páginas do “folhoso”, uma pesquisa efetivada com muita dedicação e fôlego. E aprendi mais uma lição, advinda de uma opinião emitida no livro pelo educador Arnaldo Niskier, intelectual brasileiro de notório saber: “A gíria não é um modismo linguístico utilizado apenas pelas camadas mais pobres da população. Incorporou-se aos usos e costumes do nosso vernáculo, não sendo justo qualificá-la como expressão de segunda categoria”.
Para terminar, está correto dizer que a senadora Ideli Salvatti foi com fogo no rabo (desapareceu) do plenário do Senado Federal, para fazer um curso no exterior, acompanhada de um “assessor para assuntos diversos”, que custaram muitos dólares aos cofres públicos. Ficando nós, eleitores que criticaram o descaramento, como cus de encrenca, criadores de casos.