ENQUANTO ZÉPAULINHO NÃO CHEGA


Deparo-me, no aeroporto Gilberto Freyre, com o João Silvino da Conceição sobraçando dois livros relacionados com o poeta português Fernando Pessoa. A explicação dele é satisfatória: – Já estou me preparando para ler o livro do José Paulo Cavalcanti Filho sobre o notável lusitano, texto que já se encontra na editora e que será um sucesso muito arretado de ótimo.

Curioso, depois do almoço encareci ao Silvino consultar o seu “carregamento” literário, um livro mais fino, de pouco mais de 120 páginas, e um folhoso, com quase um milhar de páginas. O menor, lançado o ano passado. O tremendão, tornado público em maio que passou.

O livro delgado, edição Companhia das Letras, é de autoria de Amélia Pinto Pais, licenciada em filologia românica pela Universidade de Coimbra. Ela lecionou português e francês por 36 anos, tendo escrito ensaios e obras didáticas sobre Camões, Fernando Pessoa e Gil Vicente. Também é de sua autoria uma História da Literatura em Portugal. Intitulado Fernando Pessoa, o Menino da Sua Mãe, o trabalho da professora Amélia traz informações que muito complementam a curiosidade sobre o poeta lisboeta que possuiu 72 heterônimos, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Bernardo Soares e Ricardo Reis, os mais importantes, três deles sendo femininos: Cecília, Maria José e Nympha Negra.

As pesquisas da professora Pinto Pais revelam dados desconhecidos de muitos especialistas lusitanos. Exemplos: admirador do pe. António Vieira, Pessoa chamou-o de “imperador da língua portuguesa”, em várias ocasiões indo às lágrimas ao lê-lo, dada a riqueza da sua prosa e do ritmo musical dos seus escritos; era ainda devedor de Antero de Quental, “que o ensinou a pensar em ritmo”, de Cesário Verde, que o fez “observar em verso”, e de Camilo Pessanha, que o especializou em “sentir veladamente”.

Apesar de, em 1913, aos 25 anos, ter escrito os primeiros textos do que viria a ser o nunca acabado Livro do Desassossego, de autoria de Bernardo Soares, um dos heterônimos de sua maior predileção, foi em 8 de março de 1914, segundo ele “o ano triunfal da minha vida”, que Fernando Pessoa se descobriu como muitos, surgindo na noite deste dia os heterônimos que o transformaram num “poeta fazedor de poetas”.

Sendo “contrário a qualquer sinal de intolerância com as ideias ou opções diferentes das normalmente aceitas como boas, mesmo que não fossem iguais às minhas ou às dos meus outros eus”, Pessoa sentia-se portador de uma natureza conservadora, muito embora em 1923, aos 35 anos, tenha se empenhado na defesa de António Botto, um poeta da sua estima assumidamente homossexual. Também saiu posteriormente em defesa de um outro companheiro de letras, Raul Leal, também adepto da homoafetividade.

O poeta, de nome completo Fernando António Nogueira Pessoa, eternizou-se em 30 de novembro de 1935, aos 47 anos de idade, vitimado por intensa crise hepática. Sentindo a iminência da partida, o poeta pediu seus óculos, papel e caneta, deixando a seguinte frase registrada para a posteridade: “I know not what tomorrow will bring” (Não sei o que o amanhã trará).

Numa quase parte final do livro da Amélia Pinto Pais se faz presente uma apresentação e poemas dos principais heterônimos de Fernando Pessoa, Caeiro, Campos, Reis e Soares. E a leitura do livro se finda com uma vontade danada de reiniciá-lo, tamanha sua leitura sedutora.

O folhoso Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenado por Fernando Cabral Martins, Editora Leya, São Paulo, maio 2010, na sua apresentação explicita o principal objetivo do compêndio, estruturado com o apoio de 89 colaboradores: tornar Fernando Pessoa o centro do Modernismo lusitano, conferindo-lhe o relevo que ele é merecedor desde 1912, ano de seu primeiro poema conhecido À Minha Querida Mamã, até 1935, ano de sua eternização. Informa ainda o coordenador que “todos os verbetes que integram este dicionário são de teor informativo, como lhes compete, mas assumem uma dimensão ensaística que não pode ser erradicada nestas matérias”.

No dicionário pode-se complementar mais sobre a trajetória poético-existencial do poeta luso. Por exemplo, lá está explicado que Urbano Acúrsio, foi uma personalidade inventada por Pessoa, que colaborava na secção charadística do jornal O Palrador.

No verbete Pessoa, Fernando – Obras, o primeiro parágrafo é completo definidor do poeta: “Poucos escritores existirão em que vida e obra estejam tão intimamente ligadas. Pessoa viveu para escrever. Não viveu da sua escrita, no sentido habitual do termo (o único benefício material que dela tirou foram os cinco contos de réis que recebeu como prêmio da Mensagem, já no ano em que morreu, 1935). Escrever-se foi, contudo, sua única afirmação de vida. Como disse numa carta a Ofélia, que não desistia de casar com ele, toda a sua vida girava em torno da sua obra literária – ‘por boa ou má seja’, acrescentava”.

Os dois livros são preparatórios para uma leitura gota serena de boa do livro do José Paulo Cavalcanti Filho, talento pernambucano dezoito quilates. O delgado como aperitivo. O taludo, como guia referencial dos temas desenvolvidos pelo Cavalcanti Filho.

Já reajustei até meus óculos de leitura com o Saulo Gorenstein, para usufruir o fascinante ensaio sobre Pessoa do estimado Zépaulinho, QI pra ninguém botar picuinha alguma.

PS. O Kakinho foi expulso no jogo do Brasil, ontem. Disseram que foi o Dunga quem pediu ao juiz, pra se livrar dele no jogo seguinte…

(Portal da Revista ALGOMAIS, 21/06/2010, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves