ENCONTRO DE IRMÃOS
Muito raramente eu amanheço lendo um livro. Mas outro dia, um texto escrito sem grandes pretensões literárias me fez contemplar o raiar do sol, banho e café no aguardo, um ir trabalhar de alma muito bem lavada. Num estilo agradabilíssimo e informativo, Em Busca de Deus foi escrito por Pedro Luiz Mangabeira Albernaz, médico otorrinolaringologista de nomeada, que relata sua visão pessoal do judaísmo, ele mesmo um fiel da Torá, de mente aberta ao diálogo pleno com outras correntes religiosas, consciência aguçada sobre como nunca se deve diminuir o valor de qualquer crença.
O texto do Dr. Mangabeira Albernaz me cativou mais por uma declaração sua, que bem ressalta sua visão religiosa: “Não importa se somos judeus, católicos, protestantes, muçulmanos, budistas ou brâmanes. Não faz nenhuma diferença para Deus, desde que, em quaisquer dessas circunstâncias, possamos nos sentir perto d’ELE”. No livro, ele reproduz um pensamento de Abraham Joshua Heschel, um grande mestre do judaísmo do século XX, eternizado em 1972 e muito reverenciado por romanos e reformados: “Nenhuma religião é uma ilha. Nenhuma tem o monopólio da santidade. Somos companheiros de todos os que reverenciam a Deus. Rejubilamo-nos quando o nome divino é ouvido. Nenhuma religião é uma ilha. Compartilhamos o companheirismo da humanidade e a capacidade de compaixão. O espírito de Deus vive em todos, judeus ou gentios, homens ou mulheres, em consonância com seus atos”.
No livro do Albernaz, ele conta duas grandes amizades do rabino Heschel: Martin Luther King e Paulo VI. Com o primeiro, envolveu-se em vários movimentos pelos direitos humanos. Certa feita, ele declarou: “Quando marchei com Martin Luther King, em Selma, senti que as minhas pernas rezavam”.
E graças às suas valiosas ponderações perante Paulo VI, Heschel conseguiu retirar de uma das declarações preliminares do Vaticano II, o parágrafo que expressava a esperança de que os judeus, um dia, se convertessem à igreja romana. E ele mesmo testemunhava o grande carinho pessoal que o papa João XXII nutria pelos judeus.
Em meados do ano passado me perguntaram se eu tinha conhecimento dos escritos do rabino Heschel, um profundo conhecedor do mundo contemporâneo, seus ensinamentos alcançando judeus e não-judeus que buscam virtude, educação e unidade.
Por sorte minha, dias atrás, conversando com o Saulo Gorenstein, meu oftalmologista, também amigo-irmão de muitas reflexões, ele me perguntou se eu tinha conhecimento de um texto do rabino Heschel, edição 2006 da ARX. Reflexões escritas por um humanista, um dos mais importantes teólogos judeus do século XX, eternizado em 1972.
Confessando a minha ignorância sobre os escritos do Heschel, uma leitura me foi recomendada: Deus em Busca do Homem. E algumas reflexões lidas revelaram sua grandeza d’alma: “Costuma-se culpar a ciência secular e a filosofia anti-religiosa pelo eclipse da religião na sociedade moderna. Seria mais honesto culpar a religião por suas próprias derrotas. Ela decaiu não porque foi contestada, mas porque tornou-se irrelevante, enfadonha, opressiva e insípida. Quando a fé é completamente substituída pelo credo, o culto pela disciplina, o amor pelo hábito; quando a crise de hoje é ignorada pelo esplendor do passado; quando a fé se torna um mero objeto herdado em vez de uma fonte de vida; quando a religião fala somente em nome da autoridade em vez da compaixão, sua mensagem se torna sem sentido” … “Existem conceitos mortos e conceitos vivos. Um conceito morto já foi comparado a uma pedra que se planta na terra. Um conceito vivo é como uma semente” … “A religião não nos é concedida, de uma vez por todas, como algo que possamos guardar num cofre. Ela precisa ser recriada o tempo inteiro”.
Quando concluir a leitura do livro, voltarei a escrever sobre o assunto, com a permissão dos meus queridos leitores. E como também filho de Abraão, Isaac e Jacó.