EDUCAÇÃO NUA E CRUA


Há leituras que desmitificam e desmistificam cacoetes e embromações de uma política educacional pública que teima em fingir ser de qualidade, quando não alcança níveis condizentes com países prósperos do concerto mundial. Afinal, qual o plano estratégico do Brasil para as próximas décadas? Será que aumentando, pura e simplesmente, os salários dos docentes dos três níveis de ensino acarretará uma melhoria da qualidade cultural deles? Será que não estamos, em pleno século XXI, sufocados por uma obsolescência pedagógica que está reduzindo à mediocridade uma substancial parte do nosso universo discentel? Será que estamos mergulhados numa cultura de fingimento, fazendo de conta que ensinamos, mais preocupados com benesses – salariais, mestristas e peagadeístas – que contemplam satisfações egolátricas, proporcionando alguns trocados a mais que apenas mascaram uma indispensável efetividade do ensinar? Ou permanecemos nos concentrando em análises esquerdeiras/direitosas que fizeram algum modismo dicotômico há décadas, muito antes da Queda do Muro de Berlim e da destruição do World Trade Center?

Um dos últimos levantamentos feitos pelo Instituto Paulo Montenegro mostra que o Inaf – Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional revela que apenas 26% da população brasileira de 15 a 64 anos é plenamente alfabetizada. E que em Matemática, apenas 23% consegue resolver um problema que envolve mais de duas operações. E que 31% dos nossos alunos da primeira série do ensino fundamental são repetentes. Para efeito de comparação, a taxa da Argentina é 10%, a da China e da Rúsia é 1%, a da Índia é 3,5%. Consequência dessa calamidade: aluno sai do ciclo inicial sem a menor condição de progredir na vida escolar, sem domínio suficiente da linguagem e sem qualquer raciocínio lógico-quantitativo.

Razão plena tem o economista Gustavo Ioschpe, Consultor do Ministério da Educação e do Banco Mundial, autor do livro recentemente lançado O Que O Brasil Quer Ser Quando Crescer?, SP, Paralela, 2012: “Com essa qualidade sofrível, no Brasil, a educação deixa de ser o magnífico investimento que ela é em quase todo mundo em todas as épocas e passa a ser um fardo para o aluno. Vale mais a pena ir trabalhar do que gastar horas e anos em aulas onde se aprende quase nada. O resultado é inescapável: abandono”. E é ele próprio que conta a história de Moshe, o Bedel, narrada no início do livro A Noite, do Prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel. Reproduzo-a abaixo sinteticamente:

Moshe, durante a II Guerra Mundial, foi preso pelos nazistas. Na Polônia, foi colocado num caminhão com dezenas de outros e levado para uma floresta remota, onde os presos cavaram valas, posteriormente recebendo balas na nuca, os bebês sendo lançados para o alto e usados na prática de tiro ao alvo. Por sorte, Moshe levou um tiro de raspão e se fingiu de morto, posteriormente retornando a Sighet, seu vilarejo, onde ninguém lhe deu ouvidos sobre o que ele contava. Em 1944, quando a guerra dava sinais claros de término, a Hungria passou a ter um governo nazista, Sighet sendo invadida e quase toda sua população foi exterminada.

O que Ioschpe desejou alertar com a história acima? Ele levanta, quase desesperadamente, algumas reflexões provocativas sobre o nosso atual sistema educacional: 1. Há uma crise profunda em nosso sistema educacional; 2. As políticas públicas para a solução dos problemas educacionais deve vir amparada por consistentes conhecimentos formais; 3. Os fatores quantitativos – salários, investimentos, gastos em tecnologia – são menos importantes que a capacitação de professores e gestores, sendo enfatizadas as práticas de aula eficazes; 4. Professores são agentes lógicos, que tomam decisões racionais sobre suas vidas, devendo ser responsabilizados por seus desempenhos; 5. O entorno social de pobreza e a baixa instrução, embora dificultem, não podem ser responsabilizados pelo fracasso educacional; 6. A ideologização da vida escolar é uma praga que deve ser combatida, cada escola devendo se adaptar à realidade do seu alunado; 7. Os fracassos da educação não devem ser entendidos como parte de um complô de políticos e classes dominantes, que induzem o todo populacional a pensar erroneamente que a qualidade da instrução recebida está ótima.

O autor do livro conheceu recentemente, outubro de 2011, o sistema educacional chinês, mais particularmente a província de Xangai, que acabara de ter o melhor desempenho educacional do mundo no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). E a China, segundo Ioschpe, deu um salto educacional incrível nas últimas décadas gastando apenas entre 2% e 4% do seu PIB, aplicando com efetividade um feijão-com-arroz sem embromatologias nem farofês, a Educação sendo vista como Questão Nacional.

Ultrapassados os burburinhos de mais um período natalino, minimizadas as maquiagens e macaquices, as esperanças por um mundo educacional mais condizente com os desafios XXI persistem solidamente plantadas nos corações dos mais politizados. Sempre antenados com o pensamento de Erich Fromm, esse notável autor de Ter ou Ser, famoso livro de cabeceira: “Pela primeira vez, na História, a sobrevivência física da espécie humana depende de uma radical mudança do coração humano. Todavia, uma transformação do coração humano só é possível na medida em que ocorram drásticas transformações econômicas e sociais que dêem ao coração humano a oportunidade para mudança, coragem e visão para consegui-la”.

Que saibamos efetivar uma Educação Nacional compatível com uma contemporaneidade em evolução crescente, sem resvalarmos para populismos demagógicos que apenas ampliam a mais-valia dos “ispertos”, onde os direitos humanos e a justiça social são palavras ao vento, jamais parâmetros balizadores de um desenvolvimento brasileiro dignificante.
PS. Ao secretário de educação Ricardo Dantas, os votos de pleno êxito no comando maior de uma secretaria essencial para o desenvovimento de Pernambuco.

(Publicada em 17.12.2012, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves