DUPLA INESQUECÍVEL


Sem qualquer emocionalismo barato, embora saiba chorar quando necessário, li um dos recentes lançamentos da editora Agir, A Bibliotecária de Auschwitz, de Antonio G. Iturbe, escritor nascido em Zaragoza, que há mais de duas décadas se dedica ao jornalismo cultural, também coordenador do caderno de televisão do El Periódico e diretor da revista Qué Leer.

Na orelha primeira do livro, uma explicação do próprio Iturbe: “Alguns não acreditavam que isso fosse possível; pensaram que Hirsch era um louco ou um ingênuo: como escolarizar crianças num brutal campo de extermínio, onde tudo é proibido? E ele sorria. Hirsch sempre sorria, enigmático, como se soubesse algo que os demais desconheciam. Não importa quantos colégios os nazistas fechem, respondia. Cada vez que alguém se detiver num canto para contar algo e algumas crianças se sentarem ao redor para escutar, ali terá sido fundada uma escola”.

O autor, já repórter, conheceu Edita Adlerova (67.894), hoje com mais de oitenta anos, e que ainda se emociona ao narrar suas estratégias de esconder pequenos livros costurados em seu vestido, por ocasião de seu confinamento em Auschwitz-Birkenau. E Iturbe escreveu a história do professor Alfred Hirsch e da “bibliotecária” Dita, de apenas 14 anos, no romance citado, narrando o que aconteceu no pavilhão 31 do maior e mais cruel campo de concentração do nazismo, onde quinhentas crianças conviviam com a morte e com o sofrimento, registrando episódios de uma época triste da história através de pessoas dotadas de descomunal coragem, que subjugaram o terror e as incertezas, mantendo-se firmes na confiança de uma vida melhor, a partir da leituras de oito livros de uma biblioteca clandestina, entre os quais Uma breve história do mundo, de H.G.Wells, um livro didático e uma geometria analítica. Ratificando o dito, certa feita, por William Faulkner: “O que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não ilumina quase nada, mas nos permite ver quanta escuridão existe ao redor”.

Num campo de concentração, onde a vida humana valia menos que nada, onde câmaras comunitárias usavam gás Zyklon, “porque barateia os custos”, uma sala de aula inexistente não era motivo para um professor não transmitir saber, atenuando pavores e incutindo esperanças. E com uma criança de 14 anos sendo “bibliotecária” com toda coragem de adolescente.

Publicado em onze países, o romance de Antonio G. Iturbe comprova a tese de que “abrir um livro é como abrir uma janela à liberdade”, muito me envergonhando o fato de constatar, na atual campanha eleitoral brasileira, a inexistência de propostas dos candidatos majoritários para a construção de bibliotecas estaduais não improvisadas, nas regiões dos estados, enriquecidas por contínuas atualizações.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 13.09.2014
Fernando Antônio Gonçalves