DUAS PONDERAÇÕES


PRIMEIRA
Num ontem ainda bem pertinho, ousei, sem qualquer alvo específico, alertar a sociedade acerca dos prejuízos causados por uma vaidade doentia, imensamente prejudicial, fatal em alguns casos. Recebi quase duas dezenas de telefonemas. Alguns matreiros, outros curiosos, todos desejando pistas para identificar os “doentes”. Apareceram uns amigos apontando A, outros indicando B, buscando “coincidências”, todas elas disparatadamente elaboradas para estontear ansiosos. O objetivo de todos foi o de ver parte do Recife menos hedonista, mais acelerador da chegada do seu futuro, promissor se não patola.

Nas farmácias homeopáticas do Recife, uma excelente homeopatia foi recentemente tornada, a preços módicos, estáveis, apesar da crise atual, brabosa por incompetência de uns alucinados que se imaginaram messiânicos, nada mais sendo que cínicos ladrões, assaltadores dos cofres públicos. Uma cápsula de Simancol, manhã cedo e antes do desjejum, atenua bastante os efeitos perversos causados pelo vírus da vaidade excessiva, Pernambuco-falando-para-o-mundo. Além de manter em alto nível a curiosidade científica, a competitividade sadia e uma a emulação coletiva, a homeopatia faz contagiar uma competência salutarmente contemporânea, capaz de entender as razões pelas quais o vocábulo poder vem a ser uma palavra incrivelmente catapultadora para a maioria que busca sadios amanhãs, erradicando falsas humildades, rompendo mesuras fingidas, desmascarando inteligências nocivas que se valorizam das pouco éticas espertezas em detrimento de uma sabedoria existencial portentosa, as primeiras fogosas, esta última em acelerado plano inclinado decrescente, somente em recuperação de uma educação cidadã de densidade elevada seja aplicada em todos os nossos setores de ensino.

Contam os monges budistas uma parábola sempre oportuna. Numa excursão, um jovem rico, corado e muito independente subiu ao alto de uma montanha, encontrando um ninho de águia. Retirando de lá um ovo, alojou-o em casa sob uma galinha sua, chocadora de uma meia dúzia de outros tantos. O resultado foi o nascimento de um filhote de águia no meio dos pintainhos. Bem criada, a aguiazinha não sabia sequer que não integrava a categoria. Contentou-se com a sua sina, muito embora, vez por outra, ânsias interiores provocassem o seu interior, como que a dizer “devo ser algo mais que uma simples galinha”.

A falsa galinha jamais tomou qualquer iniciativa, até observar uma águia sobrevoando o galinheiro em missão caçadora. E a convicção aflorou imediatamente: “Não sou galinha. Não nasci prá viver em galinheiro. Meu destino é o céu, ainda que não seja de brigadeiro”. E alçou voo, deslumbrada, imaginando-se muito águia, embora conservando toda a formação de galinha. Resultado: tornou-se águia, sem jamais ter abandonado uma mentalidade de galinha.

Todo vaidético é uma águia com cuca de galinha. Sem descobrir seu verdadeiro EU, fantasia-se, empavona-se, vangloria-se tolamente sob o manto de uma impunidade-carcaça que não o incrimina, embora o torne incapaz de efetivar grandes obras com a naturalidade dos realmente notáveis.

O contaminado pela vaidade patológica não se controla. Necessita de diuturnas automassagens, jamais renegando os despudoradamente rasgados elogios dos baba-eggs de uma mídia que necessita ser mais desemocionalizada, desgalvãobuenizada, duas expressões ouvidas nos últimos dias em casa de amigo querido, durante a conquista da trimedalha de ouro do notável jamaicano Usain Bolt.

SEGUNDA
Um excelente texto, de menos de duzentas páginas, que poucos economistas leram nos últimos tempos, mais preocupados com equações matemáticas e prognósticos enrolocráticos, para favorecer ou estrangular as Bolsas de Valores do mundo ocidental: A Prosperidade do Vício: uma viagem inquieta pela economia, Daniel Cohen, RJ, Zahar, 2010. Ele é professor da École Normale Supérieure e vice-presidente, até pouco tempo, da École de Economique de Paris.

Na contracapa, algumas indagações muito pertinentes para a atual conjuntura mundial: 1. Por que, de todas as civilizações, foi a ocidental que impôs seu modelo sobre as outras? E qual a validade, hoje, desse modelo, baseado na rivalidade entre as nações e no acúmulo de riquezas? Se a fartura é essencial para a felicidade, por que as sociedades mais ricas têm fracassado em tornar as pessoas felizes? Para onde o capitalismo nos conduz? A humanidade será capaz de evitar o colapso ecológico?

Com linguagem clara e momentos de suspense, A prosperidade do vício relata as aventuras do homem para enriquecer e revela como a economia tem moldado a sociedade. O resultado é um abrangente panorama da história econômica do mundo, em que fatos do passado e do presente se interligam apontando as possibilidades de futuro.

O renomado economista francês Daniel Cohen relaciona história, economia, política e meio ambiente com fartos exemplos para analisar a conjuntura atual. Apresentada em capítulos curtos, sua narrativa funciona como uma viagem no tempo – da queda do Império romano à recente crise dos subprimes, em Wall Street; da Alemanha de Hitler à entrada da Índia e da China no jogo do mercado internacional.

O autor faz um alerta: é preciso adotar, já, uma nova maneira de conceber o crescimento econômico, tendo por base uma mentalidade solidária – afinal, somos todos uma única civilização.

A leitura do livro é deveras alertadora. Sem muitos salamaleques, Cohen relata as aventuras do homem para produzir e acumular riquezas, muitas vezes empregando os artificialismos mais diversificados. E faz alguns questionamentos significativos: Por que o mesmo Ocidente que indicou formas de tirar os povos da miséria promoveu duas guerras mundiais? Que vício oculto contaminou a Europa? Por que os desafios da economia são claramente pouco distributivos?

Daniel Cohen, no seu capítulo final, faz um alerta: “O 11 de setembro provou que as violências do cibermundo não são menos assassinas do que as outras. No entanto, isso não é o mais grave. A pergunta central colocada pela nova era da comunicação planetária é saber se ela será capaz de responder à maior questão do século XXI: gerenciar a crise ecológica anunciada e transformar hábitos de consumo ocidentais de modo a torná-los compatíveis com sua expansão para o resto do mundo”.

Só depende nós…
PS. E viva a Seleção Brasileira Olímpica Masculina de Futebol !!
(Divulgado em 22.08.2016, nos sites www.luizberto.com e www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves